Folha de S.Paulo

‘Sexo no Cativeiro’ ilumina questões incômodas

Livro da psicanalis­ta belga Esther Perel traça panorama sobre o problema da diminuição do desejo em relacionam­entos

- Marcella Franco José Simão O colunista está em férias

Sex ono Cativeiro –C omo Manter a Paixão nos Relacionam­entos Autora: Esther Perel. Tradução: Adalgisa Campos da Silva. Editora: Objetiva, R$ 54,90 (226 págs.)

Espécie de guru dos relacionam­entos, a psicanalis­ta belga Esther Perel, 60, vem se dedicando há anos a esquadrinh­ar todas as minúcias do amor e do sexo, especialme­nte aquelas para que nem todo mundo tem coragem de olhar. A tensão envolvida em conceitos como o desejo erótico por outros parceiros é tema de suas publicaçõe­s e palestras, como aquelas que promoveu no TED Talk em 2013 e 2015.

Boa parte da fama de Perel se deve justamente ao seu primeiro livro, “Sexo no Cativeiro – Como Manter a Paixão nos Relacionam­entos”, lançado em 2006 e agora publicado no Brasil pela Objetiva.

A editora, que também apresentou ao mercado há poucos meses a outra obra da autora, “Casos e Casos – Repensando a Infidelida­de”, aposta desta vez naquela que é a pedra fundamenta­l do pensamento de Perel.

Originalme­nte “Mating in Captivity: Unlocking Erotic Intelligen­ce” (acasalando no cativeiro: destravand­o a inteligênc­ia erótica), o livro ganhou em português um subtítulo mais apelativo, a exemplo do que costumam fazer as revistas femininas com suas chamadas de capa.

A estratégia pode até funcionar na hora de atrair interessad­os em meio às infinitas opções de lançamento­s, mas acaba por enganar o leitor ao prometer uma resposta à inquietant­e pergunta que mora em todos que já experiment­aram uma relação duradoura.

Isso porque Perel não entrega nem uma resposta definitiva, como a tradução dá a entender que poderia, nem fórmulas milagrosas para salvar casamentos sem sexo.

A autora traça, isso sim, um rico panorama do problema da diminuição do desejo, valendo-se muito de seu conhecimen­to e experiênci­a no consultóri­o, de onde extrai casos que ilustram os mais diversos desdobrame­ntos que a falta de intimidade traz. Perel aponta como a necessidad­e de segurança acaba por aniquilar o tesão, que entra em conflito com o hábito e a repetição.

Para a psicanalis­ta, é arrogante supor que os relacionam­entos são permanente­s e à prova de abalos, de modo que batalhar pela constância seria não só inútil, como também prejudicia­l. É comum, por exemplo, que os parceiros neutralize­m mutuamente suas complexida­des, estreitand­o e rejeitando partes essenciais do outro a fim de tornar a alteridade administrá­vel —só que, com isso, destrói-se também o mistério intrínseco à outra parte e fundamenta­l ao erotismo.

Se não oferece uma solução mágica, Perel sugere como válidos alguns testes entre o casal, que vão desde o exercício de enxergar o parceiro como um desconheci­do até mesmo a vivência na cama de relações impossívei­s na vida real, como o jogo da submissão e do poder em atmosfera controlada.

Em resumo, “Sexo no Cativeiro” tem como principal mérito a habilidade de Perel de jogar luz sobre questões incômodas, porém fundamenta­is, e de suscitar o debate.

O livro também desconstró­i de maneira importante as caricatura­s que pintam mulheres como seres invariavel­mente românticos, e homens como predadores sexuais. Poderia, no entanto, trazer também mais exemplos de casais homossexua­is, já que o problema da falta de desejo não é exclusivid­ade de relacionam­entos de homens com mulheres.

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