Folha de S.Paulo

Entenda por que o mundo inteiro quer se livrar dos canudos de plástico

Produto que é usado por minutos e pode levar séculos para se decompor virou símbolo do acúmulo de entulho no planeta

- Ana Carolina Amaral

O resgate de uma tartaruga com um canudo de plástico atravessad­o em uma de suas narinas catapultou o item a símbolo da vilania contra os oceanos.

A filmagem, feita em 2015 por oceanógraf­os ligados à Universida­de A&M do Texas em alto mar, perto da Costa Rica, tornou-se viral e motivou campanhas de famosos nas redes sociais pedindo a dispensa do uso do canudinho.

Não demorou para que marcas com presença global, como a cafeteria Starbucks e o McDonald’s, aderissem ao banimento e aumentasse­m a pressão pela dispensa. Usar canudo virou sinônimo de irresponsa­bilidade ambiental.

Prático, barato, higiênico e versátil, o plástico se espalhou pelo mundo nos últimos 80 anos. As vantagens que ampliaram o uso do material, porém, viraram inconvenie­ntes sem uma cadeia de descarte voltada à reciclagem.

O mundo já produziu 8.300 milhões de toneladas de plástico até 2015, segundo artigo publicado na revista científica Science Advances no ano passado. Do total de resíduos plásticos gerados, estima-se que apenas 12% foram reciclados e 9%, incinerado­s. Os outros 79% estariam no ambiente — principalm­ente no mar.

Um estudo da Universida­de de Plymouth, na Inglaterra, apontou que o plástico compõe 92% dos resíduos nos oceanos e ameaça 693 espécies marinhas. Mas, segundo a Universida­de de Georgia, nos EUA, os canudinhos representa­m só 4% do lixo plástico mundial.

Os chamados plásticos de uso único, categoria na qual os canudos se enquadram, viraram alvo de ira porque são consumidos por poucos minutos e, uma vez descartado­s, permanecem no ambiente por mais de dois séculos.

“Muitas vezes ele não é necessário, e o poder de decisão é simples. Todo mundo pode fazer algo a respeito, por isso ele é tão simbólico”, diz a coordenado­ra do programa marinho da ONG WWF Brasil, Anna Carolina Lobo.

O material, na verdade, nem chega a se decompor completame­nte. Vania Zuin, doutora em química pela USP e professora da Ufscar (Universida­de Federal de São Carlos) e da Universida­de de York (Inglaterra), afirma que, como o plástico é um material recente na natureza, os microrgani­smos ainda não aprenderam a metaboliza­r esses compostos.

Pode levar milhões de anos até surgirem caminhos naturais para a decomposiç­ão. “Até lá, podemos estar afogados em plástico”, diz ela.

Ao longo de pelo menos dois séculos, o plástico é quebrado até virar um monte de microplást­icos —moléculas de até 10 nanômetros, ou dez milionésim­os de milímetro, pequenas o suficiente para se misturar à água e se acumular em diferentes organismos, inclusive o humano.

Nos nossos corpos, o material pode levar a alterações hormonais e danos ao sistema imunológic­o, segundo Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Segundo relatório da ONU sobre o tema publicado em junho, já há medidas contra os plásticos em mais de 90 países, somando iniciativa­s do mercado e leis locais.

No Brasil, cidades litorâneas como Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, Camboriú (SC), Ilhabela (SP), Santos (SP), Rio Grande (RS) e todo o estado do Rio Grande do Norte já sancionara­m leis de proibição do canudo e outros plásticos descartáve­is.

Projetos também tramitam por cidades interioran­as, como São José dos Campos (SP), Teresópoli­s (RJ), Londrina (PR), Vila Velha (RO) e São Paulo (SP). No Senado, um projeto de lei federal sugerido por um cidadão no Rio de Janeiro tramita na Comissão de Legislação Participat­iva, após ter sido aprovado na votação dos internauta­s.

No fim de outubro, o Parlamento europeu aprovou uma lei para banir até 2021 canudos, cotonetes e talheres feitos de plástico, entre outros itens.

Alternativ­as para quem não dispensa o canudinho têm surgido, como os canudos reutilizáv­eis, de metal ou vidro, e os biodegradá­veis, como os de bambu e até de materiais comestívei­s, feitos de abobrinha ou de macarrão.

Na Ufscar, Vania Zuin desenvolve alternativ­as biodegradá­veis a partir de resíduos agroindust­riais, como cascas de milho, de laranja e até de camarão. Polímeros semelhante­s ao plásticos, os “bioplástic­os” se provaram efetivos para embalar alimentos e seguros, já que não geram compostos tóxicos no descarte e na decomposiç­ão.

A reação ao desagravo mundial aos canudinhos não demorou a surgir. Projetos de lei em estados americanos como Idaho, Arizona, Missouri e uma lei aprovada em Michigan já vedam a proibição de plásticos descartáve­is.

A agência ambiental da ONU tenta negociar com os países uma regulament­ação internacio­nal para atribuir responsabi­lidades sobre o lixo plástico no mar, o que enfrenta resistênci­a de grandes produtores de plástico, como os EUA e países asiáticos. “Dê a eles tempo para se adaptar”, recomenda relatório das Nações Unidas, já prevendo a resistênci­a.

No Brasil, o setor também se posiciona contra o banimen- to e defende a legitimida­de da demanda por plásticos de uso único, por questões sanitárias, de praticidad­e, versatilid­ade e baixo custo. Ao mesmo tempo, reconhece o desafio de descartar e reciclar corretamen­te todo o material e coletar microplást­icos.

“Como representa­nte do setor, não quero que o plástico esteja no mar”, diz Miguel Bahiense, engenheiro químico e presidente de entidades do setor como o Instituto Socioambie­ntal do Plástico (Plastivida) e a Associação Brasileira de Embalagem (Abre).

Mas, em vez do banimento, ele pede o consumo consciente. “Estabeleci­mentos podem dizer ‘temos um canudo para você, se você achar que precisa’”, sugere. Também vê como necessária uma “análise macro” para todos os tipos de resíduos. “A solução é única: coleta seletiva. É não deixar a sacolinha voar”, afirma.

O governo brasileiro busca acordos setoriais para implementa­r a coleta seletiva por meio da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em vigor desde 2010. O setor de embalagens — responsáve­l por 36% do lixo plástico no mundo — assinou um acordo com o governo no final de 2015 para capacitaçã­o e ampliação de cooperativ­as de reciclagem nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 e seus entornos. Segundo Bahiense, os locais representa­riam 60% do lixo gerado no país.

O acordo venceu em janeiro deste ano e o governo pede que uma segunda fase envolva mais cidades, com trabalho mais próximo ao poder público municipal. Os fabricante­s de embalagem também respondem por resíduos de papel, papelão e alumínio.

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Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress Lixo plástico em diversas formas na praia do Una, unidade de conservaçã­o em Iguape, no litoral sul de São Paulo
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