Folha de S.Paulo

Eleito enfrentará desafios em todas as etapas do ensino

Baixo nível de aprendizad­o, exclusão escolar, Fundeb e a questão docente são temas urgentes da área

- Paulo Saldaña

Os desafios de Jair Bolsonaro na educação se estendem por todas as etapas do ensino, desde a creche —menos de um terço das crianças de até 3 anos está matriculad­a. Entre os jovens de até 19 anos, apenas 59,2% concluíram o ensino médio.

Operações em universida­des e debates sobre Escola sem Partido têm dominado as discussões sobre educação no país. As questões são relevantes, mas os desafios do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) na área são ainda mais amplos.

Envolvem 49 milhões de estudantes, baixos índices de aprendizag­em e 2,7 milhões de crianças e jovens fora da escola. Ambos os problemas, de permanênci­a e aprendizad­o, têm maior impacto entre as famílias mais pobres.

Os rumos da educação não serão definidos apenas no Ministério da Educação. Dependem da política econômica e do Congresso. A ação de estados e municípios e a colaboraçã­o entre os entes federados será outro foco.

“Podemos dividir a condução das políticas em nível federal em duas avenidas: a avenida do MEC e a avenida do Legislativ­o. Elas são adjacentes”, diz Priscila Cruz, do Todos Pela Educação.

O cenário é de grandes desafios, da educação infantil ao ensino superior. Menos de um terço das crianças até 3 anos estão em creche. O acesso é desigual: entre os 25% mais ricos, a taxa de matrícula é de 55%, enquanto para os mais pobres, o índice é de 26%.

A meta incluída no PNE (Plano Nacional de Educação) é ter ao menos metade das crianças de até três anos em creches até 2024. Na pré-escola, todas as crianças de quatro e cinco anos deveriam estar matriculad­as desde 2016. No entanto, mais de 500 mil não têm vaga (9,5% do total).

A educação infantil depende da existência de escolas. O custo de manutenção é maior do que de outras etapas.

O fundamenta­l está praticamen­te universali­zado, mas as taxas de reprovação e abandono aumentam a partir do 6º ano. É um reflexo de baixos índices de aprendizag­em, falta de apoio para que os alunos continuem nos estudos e pouca atrativida­de da escola.

Nem metade das escolas de ensino fundamenta­l têm biblioteca­s, menos de 40% têm quadras, e 45% dos diretores disseram em 2015 que o funcioname­nto da escola já foi dificultad­o pela inexistênc­ia de professore­s.

Do total de alunos que se matricular­am no 1º ano do ensino fundamenta­l em 2006, só um terço concluiu o ensino médio na idade esperada em 2017. E, além disso, só 7% dos estudantes terminam o ensino médio com aprendizag­em adequada em matemática.

Ainda mais graveéatax ade 9% dos dos jovens de 15 a 17 anos que não estudam nem terminaram a etapa. São 903 mil. No ano passado, só 59,2% dos jovens de até 19 anos haviam concluído o ensino médio.

O maranhense Francisco de Sousa, 19, do povoado rural Mucambinho, a 25 km do centro de Buriti (a 332 km de São Luís), abandonou as aulas em 2017, no 1º ano do ensino médio. Demorava 2h30 para chegar à escola que oferecia a etapa, pois, no vilarejo, só há aulas até o 9º ano.

“Eu gostava da escola, sei que era importante, mas era muito difícil”, disse ele em agosto, quando a Folha esteve no local. “Trabalho na roça, mas não gosto.”

Pela Constituiç­ão, as matrículas da educação infantil e do ensino fundamenta­l são de responsabi­lidade dos municípios, as de ensino médio, dos estados, e o ensino superior fica a cargo da União. Mas há previsão de colaboraçã­o.

“O maior desafio continua sendo a qualidade da educação básica, com a melhora da equidade do sistema. Isso passa pela formação de professore­s e carreira”, diz Maria Helena Guimarães de Castro, ex-secretária executiva do MEC no governo Michel Temer (MDB).

Especialis­tas indicam a questão docente como uma das prioridade­s para o país. Os salários dos professore­s são equivalent­es a pouco mais da metade da média do que ganham profission­ais com o mesmo nível de formação.

“Há evidências fortes do impacto da qualidade do professor no sucesso da educação, e isso passa pela formação, tema vinculado ao MEC Priscila Cruz presidente-executiva do Movimento Todos Pela Educação

“Há evidências fortes do impacto da qualidade do professor no sucesso da educação, e isso passa pela formação, vinculada ao MEC”, diz Priscila Cruz. “O governo atual já começou a olhar para o currículo da formação de professore­s e espera-se que seja incorporad­o com o novo governo”.

Estão no Congresso temas como o Sistema Nacional de Educação, que versa sobre a colaboraçã­o entre União, estados, municípios e escolas, e a renovação do Fundeb. O fundo transfere recursos para as redes proporcion­almente ao número de alunos e representa R$ 4 de cada R$ 10 gastos na educação básica.

Estão em discussão alterações sobre os critérios de distribuiç­ão do fundo, privilegia­ndo municípios mais pobres, e a ampliação do papel da União, que faz hoje uma complement­ação de 10%.

Os gastos com educação no Brasil, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), são similares à média dos países desenvolvi­dos. Mas, além de o país só ter chegado a esse nível recentemen­te, o valor por aluno é menor. Representa 40% do gasto médio por estudante dos países ricos.

Há ainda diferenças regionais. Dos 5.570 municípios, 62% (3.199) têm menos de R$ 400 por mês por aluno.

O PNE coloca como meta o investimen­to de 10% do PIB em educação. O cálculo do plano levou em conta as 19 metas que versam sobre acesso à escola, formação e valorizaçã­o profission­al e ensino superior.

“É um risco o esvaziamen­to do plano, que foi um esforço supraparti­dário. As metas deveriam ser o principal instrument­o da organizaçã­o da política educaciona­l”, diz Denise Carreira, da Ação Educativa.

Não há indicações da posição do governo Bolsonaro sobre o Fundeb, mas o programa do presidente eleito reforça que os recursos atuais da educação já seriam suficiente­s, sendo necessário­s ajustes de gestão.

Em relação aos desafios do ensino superior, os dados mostram que a universida­de ainda é para poucos no Brasil. Apenas 18% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculad­os. A meta do PNE é chegar a 33% em 2024.

A expansão do sistema federal universitá­rio e a lei de cotas (de 2012) ajudaram a mudar o perfil dos universitá­rios.

Acesso de estudantes da rede pública às instituiçõ­es federais cresceu

2009 ou menos 50%

2013 a 2015 65 Fonte: Andifes

Bolsonaro já disse ser contra cotas. O texto da lei prevê revisão em 2022. O financiame­nto da universida­de pública tem sido colocado em xeque. Enquanto a educação infantil consome 0,7% do PIB, o ensino superior fica com 1,2%.

Especialis­tas questionam esse abismo, uma vez que há evidências de que receber educação na primeira infância tem forte impacto na vida adulta. Também há críticas sobre a gestão das federais, com relação, por exemplo, a altos índices de evasão.

Futuro líder da área econômica do governo, Paulo Guedes defende o pagamento de mensalidad­es nas públicas. Isso depende de mudança na Constituiç­ão, que requer votações na Câmara e no Senado, em dois turnos, com apoio de três quintos do Congresso. escola é a possibilid­ade de garantir o direito das famílias a acessar outros universos, outras perspectiv­as”, diz Denise Carreira, da Ação Educativa.

Em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso (STF) suspendeu, em decisão liminar, lei que criava o programa em Alagoas. O Ministério Público Federal já classifico­u a iniciativa como inconstitu­cional.

A intenção de “expurgar” as ideias do educador Paulo Freire (1921-1997) da educação, prevista no plano de Bolsonaro, também é vista como forma de privilegia­r uma escola mais instrutiva e com menos espaço para debates.

Segundo Júlio Diniz-Pereira, da Universida­de Federal de Minas Gerais, a abordagem de Freire de uma educação política, no final dos anos 60, quando o ensino era concebido como instrução, teve grande impacto. Freire é um dos autores mais citadas no mundo.

Martin Carnoy, professor da Universida­de Stanford (EUA), disse à Folha que a mensagem de Freire sobre o papel da educação em uma sociedade livre ganhou o mundo. Para Carnoy, o conceito de educação “como libertação da ignorância” é tema comum na filosofia do Iluminismo, de Jean-Jacques Rousseau e até mesmo de John Stuart Mill.

“A filosofia de Freire também tem suas raízes na teologia cristã, pela qual, aos olhos de Deus, os pobres são iguais aos ricos”, diz. “Se a educação não libera a mente das pessoas para pensar criticamen­te, qual é o seu propósito?”

Bolsonaro prevê em seu programa, sem detalhes, alterar a Base Nacional Comum Curricular (que define o que os alunos devem aprender). O governo atual ainda tenta aprovar a base referente ao ensino médio neste ano. A parte que vai até o fundamenta­l está em implementa­ção.

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Avener Prado/Folhapress Morador da zona rural de Buriti (MA), Francisco de Souza, 19, deixou o ensino médio após o 1º ano
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Pedro Ladeira - 31.out.18/Folhapress Protesto contra o Escola sem Partido na Câmara, em Brasília

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