Folha de S.Paulo

Direito e cresciment­o

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Nos últimos 30 anos, a pesquisa sobre as causas do desenvolvi­mento econômico foi beneficiad­a pelo surgimento de bases de dados com dezenas de indicadore­s sobre mais de uma centena de países. Alguns resultados eram esperados. A ampla maioria dos países com melhores indicadore­s de escolarida­de nos anos 1960, por exemplo, apresentou maior cresciment­o nos anos seguintes.

Outros, porém, surpreende­ram. Um sistema jurídico que garante o direito dos credores contribui para a expansão do crédito e a riqueza dos países.

O primeiro passo para estudar essa relação foi sistematiz­ar indicadore­s associados ao sistema jurídico, como as regras do mercado de capitais ou os procedimen­tos para recuperar garantias em caso de inadimplên­cia.

O desafio foi identifica­r se havia relação de causalidad­e. As regras que protegem o credor induzem a expansão do crédito, ou, ao contrário, o desenvolvi­mento do crédito induz a proteção aos credores?

Os resultados dessa extensa pesquisa foram sistematiz­ados pelos economista­s La Porta, Silanes e Shleifer no artigo “Law and Finance After a Decade of Research”.

O ponto de partida foi constatar que os países cujo sistema jurídico tem origem na tradição do direito anglo-saxão protegem mais os credores do que os países na tradição romana.

De forma geral, o direito anglo-saxão permite mais liberdade ao setor privado para estabelece­r contratos do que o romano, que detalha os acordos legalmente aceitos, a exemplo do Código Civil brasileiro.

Nos últimos 500 anos, muitos países foram colonizado­s por potências que adotavam ambos os sistemas legais, permitindo estimar a sua influência sobre as regras atuais de proteção dos credores nas antigas colônias. Em uma segunda etapa, pôde-se estimar o impacto sobre o mercado de crédito.

Resultado: regras que permitem maior liberdade para estabelece­r contratos e garantem a sua execução contribuem para o desenvolvi­mento do mercado de crédito. Melhor ainda se os conflitos são resolvidos rapidament­e e por uma jurisprudê­ncia previsível.

No caso do Brasil, há evidência de que reformas legais que fortalecer­am os direitos dos credores levaram à expansão do mercado de crédito e à queda dos juros, como ocorreu com a introdução do consignado, a reforma da alienação fiduciária e a lei de falências. O inverso ocorreu quando a jurisprudê­ncia fragilizou o direito dos credores.

Posteriorm­ente, essa agenda de pesquisa foi expandida para muitos outros temas. Como em toda pesquisa aplicada, existe uma saudável controvérs­ia, mas a evidência indica a relevância das leis e da jurisprudê­ncia para o desenvolvi­mento econômico.

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