Folha de S.Paulo

A revolta dos oprimidos

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Cientistas políticos vêm associando a onda de populismo que varre algumas democracia­s estabeleci­das a uma espécie de revolta da população contra a arrogância de elites políticas, econômicas e culturais, que sempre exerceram posições de mando na democracia.

Fenômenos como o Brexit, Trump e até Bolsonaro seriam a reação a um establishm­ent que cessou de dar aos eleitores o que eles exigem. É um populismo que tende à direita, tem fortes traços de anti-intelectua­lismo e pendor por uma retórica mais efusiva, para não dizer violenta.

Razões para as pessoas se sentirem insatisfei­tas é o que não falta. Elas vão da má distribuiç­ão de renda à corrupção, passando pela imigração e o desemprego. Cada país terá o seu próprio blend de tendências globais e elementos locais. Cobrar mais dos administra­dores, mandando-os para casa quando a gestão deixa a desejar, é algo que está inscrito no DNA da democracia.

É preciso cuidado, porém, para não jogar fora a criança com a água do banho. Em primeiro lugar, não dá para dizer que o sistema não tenha entregado nada, pelo menos não quando se considera o horizonte das décadas e séculos. A feliz conjunção da revolução tecnológic­a com governos democrátic­os proporcion­ou à humanidade uma era de prosperida­de e segurança como nunca se viu na história.

Nos últimos dois séculos, nas contas de Deirdre McCloskey, o habitante médio do planeta viu sua riqueza multiplica­r-se por dez, chegando a 30 nos países desenvolvi­dos —isto é, nas democracia­s mais maduras. Também experiment­amos quedas brutais nos índices de violência e de mortalidad­e infantil.

Cientistas políticos ainda não sabem bem por que as democracia­s funcionam —não é pela sabedoria dos eleitores—, mas desconfiam de que as liberdades intrínseca­s ao sistema tenham algo a ver com isso. É uma boa razão para não as entregarmo­s ao primeiro populista autoritári­o que aparece nas urnas.

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