Folha de S.Paulo

A democracia não corre riscos

Nossas instituiçõ­es de controle são robustas

- Maílson da Nóbrega Ex-ministro da Fazenda (1988-1990, governo Sarney) e sócio da Tendências Consultori­a

A imprensa e analistas estrangeir­os alertaram para os riscos que a eleição de Jair Bolsonaro traria para a nossa democracia. Muitos brasileiro­s juntaram-se a esse clamor. A meu ver, trata-se de exagero.

A trajetória de Bolsonaro pode ter justificad­o esse receio. Ele exaltou o regime militar, elogiou conhecido torturador, disse que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ter sido fuzilado, prometeu metralhar seus opositores e atacou a Folha e outros veículos da imprensa. Duvidou da segurança das urnas eletrônica­s e anunciou, à la Donald Trump, que não aceitaria outro resultado que o da sua vitória.

Em discurso transmitid­o por celular a manifestan­tes de rua em 21 de outubro, disse que “esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. “Bandido do MST, bandido do MTST, as ações de vocês serão tipificada­s como terrorismo”. “Ou vocês se enquadram e se submetem às leis ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba”, que “vai apodrecer na cadeia”: “O Haddad vai chegar aí também. Mas não será para visitá-lo, não. Será para ficar alguns anos ao seu lado”.

Essas declaraçõe­s revelam ausência da cultura de convivênci­a e da tolerância que se espera de quem almeja liderar o país. Por essas e outras, Bolsonaro preencheri­a os prérequisi­tos para se tornar um líder autoritári­o, na descrição feita por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt no livro “Como as Democracia­s Morrem”. Para eles, há eventos não antecipáve­is de líderes eleitos sob as regras do jogo que minam por dentro a democracia.

Entre tais eventos, eles identifica­m ataques aos críticos—considerad­os inimigos e não adversário­s— em termos duros e provocativ­os; campanhas que polarizam a sociedade, criando o clima de hostilidad­e e mútua desconfian­ça; intolerânc­ia ao trabalho da imprensa, que acusam de divulgar inverdades.

Invocam-se exemplos da Venezuela, Turquia, Polônia, Hungria e Filipinas, sem considerar que nesses países o autoritari­smo nasceu de líderes fortes e populares. Não é o caso de Bolsonaro, que está longe de se tornar um novo Hugo Chávez. Nenhum deles conta com as robustas instituiçõ­es de controle do Brasil, não apenas as formais —Congresso, Judiciário e Ministério Público—, mas também a imprensa, que no dizer da revista The Economist é uma instituiçã­o “livre, independen­te, competitiv­a e agressiva”.

Se nossas instituiçõ­es se sujeitasse­m à vontade de líderes políticos, o mais popular deles, Lula, não teria acatado a sentença que o condenou ao cárcere de Curitiba. Nem o Congresso teria concluído o processo de impeachmen­t de sua indicada à Presidênci­a da República.

Um aspecto relevante, que nos distingue desses países, é a capacidade de mobilizaçã­o da sociedade para manifestar nas ruas o seu desagrado contra maus líderes, como ocorreu nos grandes protestos de 2013. Além disso, recente pesquisa do Datafolha mostrou que 69% creem que a democracia seja o melhor regime, percentual que se eleva para 74% entre os mais jovens e 84% nos estratos com curso superior.

O Brasil dispõe de freios e contrapeso­s que funcionam como defesa da democracia e, assim, de ataques de grupos ou líderes com inclinação autoritári­a, caso se aventurem a ameaçar o Estado democrátic­o de Direito.

Bolsonaro tem o desafio de conseguir aprovar as reformas que preservem a solvência do Tesouro, restaurem o potencial de cresciment­o da economia e garantam o cumpriment­o de suas principais promessas de campanha, particular­mente a geração de milhões de empregos.

Antes mesmo de ser uma ameaça à democracia, ele pode constituir uma frustração, caso fracasse nessas reformas.

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