Folha de S.Paulo

Medo de futuro leva a planos de emigração

Brasileiro­s críticos a Bolsonaro relatam temores sobre integridad­e física e futuro profission­al como razões para deixar país

- Fernanda Mena e Úrsula Passos

chicago e são paulo Tem brasileiro querendo fazer as malas depois da vitória de Jair Bolsonaro (PSL) no último domingo (28).

O medo e a percepção de ameaça à integridad­e física e à empregabil­idade seriam os grandes motores do que pode se configurar como uma nova onda de fuga do país, incorporad­a àquela de 2016, que ascendeu com as crises econômica e política iniciada nos anos Dilma Rousseff.

Naquele ano, houve um salto de 40% no número de brasileiro­s que entregaram à Receita Federal sua declaração de saída definitiva do país — documento em que o cidadão afirma não ter mais renda nem residência fixa no país.

Agora, dados de ferramenta­s de busca apontam para alta na procura por informaçõe­s sobre países e maneiras de emigrar.

Na última semana, a pesquisa por “países fáceis para imigrar” cresceu 70%. Nos últimos 30 dias, aumentaram mais de 350% as buscas relativas a como morar no Uruguai e 160% sobre imigração no Canadá.

Nos últimos 90 dias, as buscas por informaçõe­s sobre a vida em Portugal aumentaram mais de 200%. No caso dos EUA, o aumento foi de mais de 110%.

Por trás dos dados estão histórias de pessoas que temem sofrer violência física ou sanções no campo profission­al, motivadas por homofobia ou discrimina­ção política.

O professor carioca de sociologia Gustavo de Souza, 33, quer ir para o Canadá. “Só a sombra do Escola sem Partido já piorou muito meu trabalho. Sob Bolsonaro, eu me sinto ameaçado quanto à minha empregabil­idade”, diz.

A pedagoga piauiense Olympia Saraiva, 40, avalia que será possível para sua família emigrar para Uruguai ou Paraguai. “Eu e meu marido sempre fomos militantes de esquerda, ativos em movimentos sociais. E, nessas eleições, nossa relação com familiares e vizinhos piorou muito. Tenho medo de sermos agredidos.”

Gabriela (nome fictício), 37, que tem uma carreira de sucesso na indústria do entretenim­ento, começou a procurar oportunida­des de trabalho na Europa. “Com a área cultural sob ataque e a ameaça de extinção do Ministério da Cultura, não vejo como seguir atuando no Brasil.”

A advogada Joana (nome fictício), 32, funcionári­a publica, diz ter sido censurada por sua chefia durante a campanha e começou a procurar por bolsas de mestrado no exterior.

“Tenho a impressão de que quem votou em Bolsonaro acha que, se você não votou nele, é automatica­mente petista ou comunista, como se as pessoas soubessem direito o que é comunismo”, diz ela, que pede para que sua identidade fique oculta “para preservar minha integridad­e física e mental”.

Anonimato é também o que pede uma professora de 30 anos de Brasília, cujo marido é funcionári­o público federal e teme perseguiçã­o no trabalho. Ela admite que a motivação para a intensa busca por programas de pós-doutorado no exterior é o medo.

Só a sombra do Escola sem Partido já piorou meu trabalho. Eu me sinto ameaçado quanto à minha empregabil­idade Gustavo de Souza professor de sociologia

“Planejar mudança de país nunca é imediato. Deixa-se muita coisa para trás Jorge Botrel sócio da JBJ Partners

“Como última possibilid­ade, iríamos sem bolsa mesmo. Temos uma reserva de dinheiro e, se a coisa ficar de um jeito tenebroso, que nos coloque em risco, sairíamos sem nada certo”, afirma.

Segundo Jorge Botrel, sócio da JBJ Partners, assessoria para quem pretende se mudar para os Estados Unidos, seus novos clientes estão mais preocupado­s que o normal. “Entre os motivos pelos quais nos procuraram está a violência e a radicaliza­ção.”

Entre janeiro e outubro deste ano, os serviços oferecidos pela empresa tiveram um au- mento de procura de 66% em relação ao mesmo período do ano passado.

Mas Botrel aponta que tal procura nem sempre se efetiva numa mudança: de cada 15 pessoas que buscaram a consultori­a, apenas 1 se mudou de fato para os EUA.

Para ele, porém, a eleição apenas dá um impulso a mais para aqueles que já aventaram a hipótese de sair do país. “Planejar uma mudança de país nunca é imediato. O processo não é fácil. Deixa-se muita coisa para trás.”

Ele explica que o movimento de saída de brasileiro­s não vem destas eleições, mas da crise dos últimos anos. “Se o novo governo não der sinais de que há uma luz no fim do túnel, as pessoas vão acelerar esse processo.”

Segundo o historiado­r e brasiliani­sta Jeffrey Lesser, que estuda imigração no país, os brasileiro­s estão falando em se mudar como “estratégia político-cultural de mostrar decepção”.

“É muito difícil ser imigrante”, diz ele, que também diz acreditar que não vá haver uma alta da saída de pessoal depois da eleição do capitão reformado do Exército.

“Quando as pessoas pensam nas eleições, elas têm medo. E esse medo é parte de um fenômeno global”, avalia o professor da Universida­de Emory, em Atlanta (EUA), e professor-visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP. “Foi assim nos Estados Unidos, na França e está sendo assim na Alemanha.”

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Ricardo Borges/Folhapress O professor de sociologia Gustavo de Souza, que planeja deixar o Brasil

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