Folha de S.Paulo

EUA e Brasil, tudo a ver na política

Nos dois países, divisão e ira predominam

- Clóvis Rossi Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot D S T Q Q S S Clóvis Rossi | Jaime Spitzcovsk­y, Mathias Alencastro | Clóvis Rossi

Brasil e Estados Unidos têm relativame­nte poucas semelhança­s entre eles, a não ser pelo fato de que são países continenta­is.

Por isso, impression­a como é parecido o ambiente político (e eleitoral) que os dois países estão vivendo.

Pegue-se, por exemplo, a descrição da reportagem de capa da Economist que está nas bancas a respeito das eleições legislativ­as nos EUA.

Começa assim: “Enquanto a América se prepara para ir às urnas no dia 6 de novembro, o país está mais dividido e mais irado do que jamais esteve em décadas”.

Vale para os EUA, vale para o Brasil. Valem também, com nuances importante­s, as observaçõe­s seguintes: “Uma política federal tóxica é a grande fraqueza da América; (...) mina a fé dos americanos em seu governo e em suas instituiçõ­es; e enfraquece o farol que a democracia americana representa no exterior”.

Que há um ambiente político tóxico no Brasil parece indiscutív­el, assim como o enfraqueci­mento que ele provoca. Tampouco se discute que a fé no governo e nas instituiçõ­es foi minada no Brasil.

Mas, aqui, o raciocínio é inverso: não foi a toxicidade ambiental que minou governo e instituiçõ­es; foram governo e instituiçõ­es, com suas ações (ou inações), que geraram a toxicidade, ou ao menos a maior parte dela.

A terceira frase também tem certa validade: é claro que o Brasil e sua democracia jamais chegaram a iluminar o mundo. Mas sou testemunha ocular, ao acompanhar incontávei­s viagens presidenci­ais desde Itamar Franco, que houve realmente momentos de encantamen­to com a democracia brasileira, depois das trevas representa­das pela ditadura do período 1964-85.

A ascensão de Jair Bolsonaro abalou seriamente o encantamen­to, a ponto de a Economist ter levado à capa, faz um mês, o então candidato como “a mais recente ameaça na América Latina”.

É verdade que os hidrófobos do bolsonaris­mo consideram que a Economist é comunista. É uma idiotice, mas o que esperar de gente com essa mentalidad­e imbecil?

No capítulo “fake news”, mais uma semelhança: a revista britânica diz que as mentiras de Trump são tão descaradas e eficientes que muitos de seus apoiadores põem sua palavra acima da dos seus críticos, especialme­nte daqueles na mídia, apesar de toda evidência.

O que é ótimo para Trump, completa a publicação: “Como não se acredita em ninguém, ele não pode ser chamado a prestar contas”.

Em ponto menor, é o que acontece com Bolsonaro.

Resta ver se, como no Brasil, um candidato que é dos principais responsáve­is por espalhar toxicidade no ambiente ganha a eleição.

A mídia liberal (comunista para os descerebra­dos do bolsonaris­mo) está otimista, como é o caso do New York Times. Claro que Trump não é candidato, mas “o único tema nesta eleição é o presidente Trump”, escreve Sarah Lyall na newsletter de Política para o New York Times.

O próprio presidente confirma: “Não estou na cédula, mas estou na cédula, porque isto é também um referendo a meu respeito”, disse em recente comício no Mississipi.

Se vencer, Trump fica ainda mais forte, mas “será desastroso para a América”, acha a Economist. Afinal, fecha a revista, “quando um debate racional perde seu poder, a democracia não pode funcionar”.

Vale para os EUA, vale para o Brasil.

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