Folha de S.Paulo

Confirma-se: Deus é brasileiro

Ele votou em Jair Bolsonaro, mas primeiro tentou matá-lo

- Ricardo Araújo Pereira Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de ‘Boca do Inferno’

Apesar de ter, provavelme­nte, vários outros assuntos urgentes para tratar, Deus resolveu dedicar bastante atenção às eleições brasileira­s.

Na Indonésia, Ele permitiu que houvesse um sismo, um tsunami e uma erupção vulcânica. Nos Estados Unidos, deixou que matassem 11 judeus numa sinagoga —o que não pode ter deixado de O transtorna­r, uma vez que tem judeus na família.

E uma das minhas unhas continua encravada, sempre perante a Sua passividad­e. Mas vale a pena examinar a intervençã­o que teve nas eleições do Brasil.

Muitos têm refletido sobre o comportame­nto do PT, do candidato vitorioso e dos eleitores —mas, sobre a ação de Deus, nem uma palavra dos analistas políticos.

E, no entanto, no discurso de vitória, Jair Bolsonaro agradeceu-Lhe pela oportunida­de e disse que tinha sido Ele a salvá-lo do atentado.

Por outro lado, Adélio Bispo de Oliveira, o autor do atentado, disse que quem lhe deu a ordem para matar Bolsonaro foi Deus. Significa isso que Deus queria eleger Bolsonaro, mas ao mesmo tempo também queria dar-lhe uma facada.

Ou seja, era aquilo a que se costuma chamar um eleitor indeciso. A maioria dos brasileiro­s indecisos anulou o voto.

Mas Deus tem recursos inacessíve­is aos outros eleitores e optou por essa estratégia: votou em Bolsonaro, mas primeiro tentou matá-lo.

Não sou especialis­ta em ciência política, mas me parece uma lição de democracia muito interessan­te. É um voto de confiança acompanhad­o de um voto de desconfian­ça.

Apoia, mas com reservas. Elege, mas dá um aviso —e um aviso claro, com a eloquência que só uma facada nas tripas pode ter.

Um dos problemas da democracia é que a cruzinha no boletim não é capaz de captar todas as sutilezas do voto. Ou se vota sim ou não. Ora, às vezes vota-se num determinad­o candidato sem convicção, ou até com repugnânci­a, ou como forma de protesto.

Mas a cruzinha só transmite a mensagem simplista do apoio. Fazia falta que, para cada candidato, houvesse uma lista de opções: voto nele; voto nele contrariad­o; voto nele mas, se pudesse, dava-lhe uma facada.

Foi o que Deus, sabiamente, fez. Se pudéssemos ir temperando a ação e o discurso dos dirigentes políticos à força de facadas, talvez a democracia tivesse adeptos mais fervorosos.

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Luiza Pannunzio

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