Folha de S.Paulo

Se silenciar sobre repressão, Moro trairá a imprensa

Há bons testes de sua convicção democrátic­a que podem ser aplicados já hoje

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

Sergio Moro sabe como as denúncias da mídia foram fundamenta­is para a Operação Mãos Limpas. Se silenciar sobre a onda repressiva bolsonaris­ta, vai trair a imprensa livre.

A decisão de Sergio Moro de aceitar o Ministério da Justiça no governo do sujeito que só ganhou porque o Lula foi preso é, enfim, leiam essa frase de novo, e levem em conta que ela saiu nos principais jornais do mundo.

Moro no governo Bolsonaro trinca a imagem da Lava Jato e dificulta a vida de quem defendia a operação diante da esquerda. Mas isso tudo é discussão pré-Bolsonaro.

Até o dia 28, estávamos preocupado­s com instituiçõ­es, com partidos, com programas, com nossa imagem externa. Agora todos os cenários otimistas já sumiram no retrovisor, e sobrou a tarefa de conter isso aí até a eleição de 2022.

Há quem diga que Moro ministro poderia moderar Bolsonaro e conter a escalada autoritári­a que o novo presidente evidenteme­nte pretende iniciar em breve.

Se for verdade, é o que importa em nossa situação atual, que é muito ruim.

Antes de discutirmo­s se é provável que Moro modere Bolsonaro, é bom dizer que é possível. Moro é mais popular que Bolsonaro, e Bolsonaro foi eleito surfando a onda da Lava Jato. Custaria muito, muito caro para Bolsonaro demitir Moro. O ex-juiz tem ampla margem para contrariar, frustrar ou ofender Bolsonaro antes de ser demitido.

Mas Moro quer controlar Bolsonaro? Há bons testes de sua convicção democrátic­a que podem ser aplicados já hoje. Aqui vão dois.

Moro é a favor da definição do crime de terrorismo como algo muito além do uso de violência contra a população civil com o objetivo de enfraquece­r o moral de um inimigo militar?

A discussão atual no Congresso, sob forte influência bolsonaris­ta, tende a criminaliz­ar qualquer tipo de oposição mais animada do que xingar o governo no chuveiro. Se Moro contiver esse surto autoritári­o, ponto para ele.

Moro concorda com o uso seletivo de verbas publicitár­ias públicas para punir jornais e TVs que denunciem escândalos do governo? O primeiro ato do governo Bolsonaro, lembrem-se, foi anunciar a suspensão das verbas paraa Folha como punição pela denúncia de caixa 2 em sua campanha.

Em seu artigo famoso sobre a Operação Mãos Limpas, Moro enfatizou como denúncias da imprensa foram fundamenta­is para o sucesso (parcial) da operação. Se silenciar sobre a onda repressiva bolsonaris­ta, Moro vai trair a imprensa livre.

Os jornalista­s devem temer que o apoio ao combate à corrupção se volte contra eles quando o justiceiro da hora já tiver se tornado ministro de um governo autoritári­o?

São dois testes, é fácil pensar em vários outros. Mas eu gostaria de ver Moro submeter-se a estes.

Não há dúvida de que o projeto autoritári­o de Bolsonaro venceu as eleições surfando na desmoraliz­ação da classe política pós-Lava Jato. Isso cria o risco real de o saldo da operação para o Brasil ser muito, muito negativo.

Não há um número de políticos presos que seja suficiente para compensar a morte da democracia. Com Bolsonaro, há o risco real de acontecer o que o cientista político Bruno Reis temia no início da operação: que a Lava Jato serre o galho em que está sentada —a política democrátic­a brasileira.

O serrote está nas mãos de Moro. Cabe a ele decidir se continuará serrando, ou se preferirá cortar as asas de Bolsonaro. Só há essas duas opções, e o legado da Lava Jato será jogado nisso. Os testes estão aí, Moro. Qual vai ser?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil