Folha de S.Paulo

Os LPs são inocentes

- Ruy Castro

Numa coluna recente (“Veneno para o planeta”, 22/10), penitencie­i-me por ter poluído sem querer o planeta com os milhares de LPs que levei a vida comprando, trocando, passando adiante e comprando de novo. O vinil de que eles eram feitos é um plástico —e o plástico, como se sabe, é o pior inimigo dos rios, mares e seus habitantes. Mas meu amigo João Augusto, fabricante de discos —dono da ótima gravadora Deckdisc e da Polysom, esta, até há pouco, a única fábrica de LPs do país—, me alertou para o erro: “Os discos de vinil nunca foram descartáve­is. Podiam ser —e eram— reciclados. Não se veem LPs nos lixões, lixeiras e no fundo do mar”.

É verdade. À luz do que disse João Augusto, vasculhei a memória e constatei que nunca joguei fora um LP. E olhe que, como jornalista desde os anos 60, houve época em que recebia discos todos os dias. Os que não me interessav­am eram dados aos amigos (em alguns casos, aos inimigos) ou abandonado­s num canto. Um dia, iam para as lojas de discos usados. As mesmas para as quais iam também os LPs quando morriam —sujos, arranhados, com as capas rasgadas. Nos sebos, podiam conquistar novos donos.

Mas o que dizer dos encalhes das gravadoras? Um disco recusado pelo público significav­a uma pilha do chão ao teto no depósito dessas gravadoras. Pois nem eles eram jogados fora, mas derretidos e reciclados para fabricar novos LPs. E, isso, sim, é de pirar. Eu me pergunto se minha rica edição brasileira do LP “Wave”, de Tom Jobim (o da girafa na capa), não foi, numa encarnação anterior, “O Tijolinho” (“Você é meu amorzinho/ Você é meu amorzão/ Você é o tijolinho/ Que faltava na minha construção”), com não sei quem.

Hoje não há mais esse risco. Os LPs atuais são fabricados com vinil virgem, de 180 gramas.

Mas tem uma coisa. Como eles não serão reciclados, a música gravada neles precisa fazer jus a esta eternidade.

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