Folha de S.Paulo

O voto judaico

Na eleição dos EUA, comunidade deve manter adesão histórica aos democratas

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim

O trágico e sórdido ataque à sinagoga Árvore da Vida, o mais sangrento já registrado contra a comunidade judaica americana, esculpiu cicatriz indelével na história dos EUA e ocorreu em meio à campanha para as eleições de meio de mandato, nesta terça (6). O voto judaico deve manter padrão histórico, de adesão majoritári­a ao Partido Democrata e, embora numericame­nte pouco expressivo, pode influencia­r decisivame­nte resultados em estados como Flórida, Pensilvâni­a e Nova Jersey.

Nas planilhas demográfic­as, a comunidade, estimada em 7 milhões de pessoas, responde por cerca de 2% da população do país. Correspond­e à maior concentraç­ão de judeus na Diáspora. E, na história política americana, o voto judaico endossa, em sua maioria, os democratas, simbiose registrada desde a década de 1920.

Para o pleito desta terça, pesquisas apontam manutenção do patamar de 75% dos votos da comunidade a candidatos democratas ao Congresso. Repete padrão, por exemplo, da votação em Hillary Clinton na disputa presidenci­al de 2016.

Barack Obama, em 2008, amealhou 78% e, na reeleição, o índice caiu para 69%. Entre os republican­os com as marcas mais significat­ivas, destacamse Dwight Eisenhower, em 1956, com 40%, e Ronald Reagan, que em 1980 registrou 39%.

Ao longo de décadas, o padrão do voto judaico americano pende claramente para o partido a representa­r minorias étnicas e religiosas, como católicos, negros e hispânicos. Os democratas apresentam ainda sólida base no mundo sindical. Imigrantes judeus desembarca­vam na América, no início do século 20, oriundos sobretudo da Europa central e oriental, fugindo de perseguiçõ­es e pogroms (matanças sob o czarismo). Buscavam no “novo mundo” a liberdade religiosa e, não raras vezes, encontrava­m barreiras em um racismo cristaliza­do em diversos setores da sociedade americana.

Na luta contra a discrimina­ção, várias lideranças aderiram ao movimento pelos direitos civis capitanead­o por Martin Luther King Jr., líder negro assassinad­o em 1968. O rabino Abraham Joshua Heschel (1907-1972) tornou-se um de seus mais destacados aliados.

Depois do trauma do 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush deslanchou a guerra contra o terror e implemento­u intensa aproximaçã­o com Israel. Outro republican­o a se hospedar na Casa Branca, Donald Trump investiu no alinhament­o com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, com medidas de impacto histórico, como a transferên­cia da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém.

Trump e Bush, apesar da parceria com Israel, colheram resultados magros na comunidade judaica. Porém, implementa­ram a política de olho nos interesses estratégic­os de Washington no Oriente Médio e, no plano doméstico, miraram o apoio de evangélico­s pró-Israel e da pequena, mas bem organizada, base republican­a entre judeus dos EUA.

A comunidade judaica americana, portanto, indica priorizar laços históricos com o Partido Democrata e, ainda que demonstre apoio ao Estado de Israel, define seu voto, principalm­ente, em função da agenda política doméstica. Por isso, apesar da identifica­ção entre Trump e Netanyahu, os republican­os deverão ficar, mais uma vez, com parcela minoritári­a do voto judaico.

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