Com MBS, Ocidente volta a cair no mito do jovem reformista árabe
É um mito duradouro. A era do velho e teimoso autocrata árabe está acabando, e um filho jovem e com perspectivas modernas ascende.
O povo, que não tem poder sobre a questão, espera que o filho seja melhor que o pai. Os governos ocidentais se convencem de que o será, e decidem ajudá-lo a garantir a sucessão.
Ao longo dos últimos dez anos, a política ocidental quanto ao Oriente Médio se baseou por diversas vezes no mito do jovem reformista árabe.
Ele apareceu sob diferentes nomes: na Síria como Bashar al-Assad (filho de Hafez, que governou o país por décadas); na Líbia como Seif al-Islam (filho de Muammar Gaddafi); no Egito como Gamal Mubarak (filho do ex-ditador Hosni); e mais recentemente, na Arábia Saudita, como Mohammed bin Salman (filho do rei Salman).
Com graus variados de entusiasmo, eles todos foram promovidos e festejados nas capitais ocidentais. Mas se provaram invariavelmente tão repressivos quanto seus predecessores, e em alguns casos ainda mais brutais.
Parece ser esse o caso do príncipe Mohammed, 33, que deixou de lado a forma mais sofisticada de repressão saudita associada aos príncipes do passado, um grupo que incluiu seu pai, e partiu para a guerra aberta contra qualquer pessoa que discorde dele.
Uma provável vítima foi Jamal Khashoggi, o jornalista saudita desaparecido no início de outubro depois de uma visita ao consulado em Istambul.
Seu assassinato, confirmado pelo governo da Arábia Saudita, deflagrou protestos internacionais e colocou de luto solene as elites ocidentais que haviam comprado o mito do príncipe reformista.
Muito antes que o Ocidente se deixasse seduzir pelo príncipe Mohammed, houve o romance com o egípcio Gamal Mubarak.
Lembro-me de diplomatas ocidentais no Cairo argumentando que Gamal era o sucessor ideal para Hosni, ainda que o Egito não fosse uma monarquia e que o herdeiro, ex-executivo de um banco de investimentos, não tivesse demonstrado qualidades merecedoras de um alto posto.
Por fim, os asseclas corruptos de Gamal alienaram o comando das Forças Armadas e alimentaram o ressentimento popular contra seu pai. Quando irrompeu a revolução, em 2011, o povo e os militares se juntaram em uma causa comum e Mubarak foi derrubado.
Mais ridícula foi a bajulação de diplomatas e empresários a Seif al-Islam, o filho —bem-vestido e anglófono— do ditador líbio derrubado em 2011.
Quando os líbios se rebelaram contra Gaddafi, Seif alIslam emergiu como guerreiro, empregando a mesma linguagem vitriólica que sempre caracterizou seu pai. Em um discurso no começo do levante popular de 2011, ele prometeu que o regime “lutará até o último homem, a última mulher, a última bala”.
Também me lembro dos primeiros dias de Bashar alAssad, o oftalmologista casado com uma mulher glamorosa que capturou a atenção dos líderes europeus e os levou a acreditar que ele fosse capaz de reaproximar a então hostil Síria da comunidade internacional.
Uma década mais tarde, Assad se viu diante de uma rebelião popular que enfrentou com uma malevolência que faz a brutalidade de seu pai parecer modesta.
Mesmo nas partes mais esclarecidas do Oriente Médio, os governantes da nova geração vêm sendo mais autoritá- rios que seus pais. Os filhos do xeque Zayed bin Sultan al Nahyan, o muito respeitado soberano dos Emirados Árabes Unidos (EAU), morto em 2004, jamais demonstraram a tolerância pela qual ele era conhecido.
O que propele o mito do jovem reformista árabe? Em parte é a crença de que, no Oriente Médio antidemocrático, a continuidade é respeitada e a mudança é arriscada demais —uma atitude ocidental que foi reforçada pelo caos surgido na esteira da Primavera Árabe.
Outro motivo é a atração exercida por novos governantes que falam sobre reformas econômicas ainda que perpetuem sistemas aos quais falta transparência e prestação de contas.
Usualmente não existe base para o otimismo do Ocidente quanto a eles. É fato que a juventude traz energia. Mas a inexperiência pode canalizar essa energia na direção errada.
A inexperiência é agravada pela insegurança: a necessidade dos filhos de consolidar o poder os leva a dispensar velhos conselheiros. Eles governam com bases de poder mais estreitas e recuam a instintos paranoicos.
O erro recorrente das elites políticas ocidentais vem sendo confundir juventude com um comprometimento para com mudanças, e presumir que jovens governantes que viajam ao exterior, e mostram interesse em arte e no mundo digital, têm maior probabilidade de se comportar responsavelmente.
Lamentavelmente, o Oriente Médio tem mostrado que traços de modernidade não são incompatíveis com a crueldade.
A lenda já apareceu com diferentes nomes: na Síria como Bashar alAssad (filho de Hafez), na Líbia como Seif al-Islam (filho de Muammar Gaddafi), no Egito como Gamal Mubarak (filho do ex-ditador Hosni) e agora na Arábia Saudita