Folha de S.Paulo

Fusão é marco no processo de consolidaç­ão do mercado no país

Especialis­tas criticam concentraç­ão bancária e dizem que Itaú Unibanco precisa olhar para fora para crescer

- AF

O processo de concentraç­ão bancária pelo qual o Brasil passou na última década poderia inviabiliz­ar hoje uma fusão da magnitude da travada entre Itaú e Unibanco em 2008 e que levou à criação do maior banco privado do país.

A avaliação é de Fernando de Magalhães Furlan, expresiden­te do Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) e atual presidente da ABCB (Associação Brasileira de Criptomoed­as e Blockchain). Furlan foi o relator no órgão antitruste no caso da fusão entre os bancos.

“À época, fizemos uma análise bem detalhada. Claro que é sempre ruim perder concorrênc­ia, mas entendemos que, apesar da concentraç­ão, existia bastante concorrênc­ia de bancos médios. Naquele momento, não era algo que preocupass­e. Talvez hoje fosse diferente”, afirma.

Furlan observa que em dez anos a concorrênc­ia no sistema financeiro brasileiro mudou significat­ivamente. Ele cita como exemplo a compra da operação brasileira do britânico HSBC pelo Bradesco, concluída em 2016 por R$ 16 bilhões, em valores da época.

“Não sei se hoje o Cade aprovaria a fusão [entre Itaú e Unibanco]. De lá para cá a concorrênc­ia do sistema financeiro, principalm­ente de grandes bancos, caiu muito”, diz Furlan.

O negócio entre Itaú e Unibanco foi aprovado no Cade em 2010 por unanimidad­e. Antes, passou pela Seae (Secretaria de Acompanham­ento Econômico do Ministério da Fazenda), foi acompanhad­a pela SDE (Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça) e recebeu o “sim” do Banco Central.

“Fui procurado pelos dirigentes dos bancos, que comunicara­m a intenção de fazer a fusão. Eu disse que competia a eles a decisão estratégic­a e que poderiam prosseguir que o assunto seria analisado”, conta Henrique Meirelles, presidente do BC à época.

Segundo Meirelles, para dar seu aval, a autoridade monetária analisou aspectos da concorrênc­ia e questões sobre o reforço do sistema, que passava por um momento delicado.

A fusão entre os dois bancos não pode ser compreendi­da fora do contexto da crise financeira global de 2008, que ajuda a explicar em parte também o aperto concorrenc­ial no país.

Segundo João Augusto Salles, analista da consultori­a Lopes Filho, o momento gerou uma crise de liquidez internacio­nal e expôs fragilidad­es do Unibanco.

“O banco não tinha a caracterís­tica de uma instituiçã­o focada em um produto ou nicho, mas também não tinha o porte de um grande banco. Era um banco médio fazendo tudo. Em uma situação de crise, ou você tem escala ou foca; se ficar no meio disso, o bicho pega”, diz.

De acordo com Istvan Kasznar, professor da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administra­ção Pública e de Empresas), o Unibanco já vinha enfrentand­o problemas antes.

“Tinha sinalizaçã­o no mercado de que a tesouraria estava truncada, isso gera onda especulati­va. E não era a primeira vez que o Unibanco era procurado para aquisição”, afirma.

Para Salles, da Lopes Filho, sem a fusão, o Unibanco poderia ter uma sobrevida de dois a três anos.

“Eles olharam para frente e viram que essa fragilidad­e poderia desembocar em insolvênci­a. Esse cenário turvo ajudou a remeter à fusão.”

Desde que o negócio foi fechado, o valor de mercado do Itaú Unibanco saltou de R$ 108 bilhões para mais de R$ 300 bilhões. O banco também fez importante­s aquisições, como a da área de varejo do Citibank no Brasil.

“O mercado hipercongl­omerou, temos cinco grandes bancos controland­o boa parte dos recursos”, afirma Kasznar.

“Esperamos que o presidente eleito tenha condições de voltar a abrir o mercado para estrangeir­os, que trazem tecnologia, capital, conhecimen­to e criam emprego no país”, acrescenta.

Apesar de o negócio entre Itaú e Unibanco ter colaborado para achatar a concorrênc­ia, Ricardo Rocha, do Insper, diz que a fusão de duas culturas diferentes criou uma instituiçã­o sólida.

“O Itaú tinha essa caracterís­tica de buscar a máxima eficiência da organizaçã­o. Já o Unibanco tinha a inovação como fator principal. Hoje, temos um banco com ambas as competênci­as”, afirma o professor. “De alguma maneira isso é positivo porque pressiona os outros grandes bancos.”

Segundo Meirelles, o sistema financeiro brasileiro se mostrou forte e resiliente a crises, e as chamadas fintechs (empresas do setor financeiro fundamenta­das em tecnologia) são um próximo passo para aumentar a concorrênc­ia.

“O sistema está preparado para isso, é bastante capitaliza­do e tem condições de enfrentar um novo cenário de concorrênc­ia, principalm­ente no crédito digital”, afirma.

Ainda assim, Rocha diz que um ambiente de negócios mais plural exigiria que o Brasil ao menos dobrasse o número de grandes bancos no país nos próximos anos, para algo em torno de dez.

“Não é factível imaginar que as fintechs vão substituir os bancos. Ela são complement­ares”, afirma.

Recentemen­te, o Itaú deu um passo importante em direção a esse novo mercado, apontam especialis­tas, após a aquisição de 49,9% da XP.

A maior plataforma de investimen­tos do país conquistou clientes se vendendo como uma espécie de shopping de ativos.

Mas as autoridade­s regulatóri­as, sobretudo o Banco Central, foram duras para liberar o negócio.

O acordo proíbe, por exemplo, tanto o Itaú Unibanco quanto a XP de adquirirem controle ou participaç­ão em corretoras, distribuid­oras ou plataforma­s abertas de investimen­tos por oito anos.

“Se o banco quiser continuar crescendo, vai ter que ser por outro caminho, olhando para fora, para a América Latina. Aqui já está muito consolidad­o, é um cresciment­o vegetativo, que acompanha o mercado”, diz Salles.

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