Folha de S.Paulo

Prescrição que não existe assombrou pessoas atingidas

- Avener Prado - 25.nov.15/Folhapress Carolina Linhares Para anunciar acesse

belo horizonte “O(A) atendente da Fundação [Renova] informou que, caso o(a) impactado(a) não queira fazer um acordo no PIM [Programa de Indenizaçã­o Mediada], existe um prazo para o(a) impactado(a) buscar seus direitos no Judiciário, que termina em 4 de novembro de 2018.”

O trecho aparece em uma ata de reunião entre a Fundação Renova, constituíd­a pelas mineradora­s Samarco, Vale e BHP Billiton para reparar os danos do rompimento da barragem de Fundão, e um pescador atingido de Linhares (ES).

No encontro, em 23 de fevereiro, ele aderiu ao programa de indenizaçã­o da Renova, feito extrajudic­ialmente, para que pudesse receber pagamento por danos morais e materiais, além de pagamento pelos lucros que deixou e deixará de receber até que a pesca possa ser restabelec­ida.

O que chamou a atenção de defensores públicos do Espírito Santo que acompanhav­am a reunião entre a Renova e o pescador foi a informação equivocada sobre o prazo de prescrição para requerer direitos indenizató­rios na Justiça —que supostamen­te seria neste domingo (4).

O medo de ficar sem reparação alguma se alastrou pelas comunidade­s atingidas e, nos meses que antecedera­m o terceiro aniversári­o da tragédia, houve uma corrida à Justiça para ajuizar ações individuai­s de indenizaçã­o.

Só na Vara Civil de Linhares há 600 processos para serem distribuíd­os. “É muito fácil convencer aquelas pessoas que já estão num processo do próprio desastre de ansiedade e de violações de direitos de que aquilo pode acabar e que eles vão ficar realmente sem receber suas indenizaçõ­es”, diz a defensora pública Mariana Andrade.

Advogados também se aproveitar­am para oferecer aos atingidos representa­ção em processos judiciais, com a condição de ficarem com até 30% de uma eventual indenizaçã­o.

“Ou por desconheci­mento ou por má-fé, [advogados] estavam, a pretexto de uma suposta prescrição, captando, contrariam­ente ao que determina a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], cliente”, diz o procurador José Adércio Leite Sampaio, chefe da forçataref­a do Ministério Público Federal (MPF) que investiga o rompimento da barragem.

Nas palavras dele, houve ação de “oportunist­as que tentam ganhar dinheiro com a tragédia”. Um inquérito foi aberto pela Polícia Federal em Linhares para apurar o caso. Há também relatos de advogados com atuação em São Mateus (ES), Governador Valadares (MG), Aimorés (MG) e Barra Longa (MG).

O MPF tem gravações de advogados captando clientes em Minas e no Espírito Santo com o mesmo argumento. O órgão, em conjunto com a OAB, poderá investigar os casos.

Segundo Sampaio, para evitar a interpreta­ção errada, que estava sendo aplicada mesmo pela Fundação Renova ao menos até março, foi necessário firmar um acordo entre as mineradora­s, a Renova, as Defensoria­s e Ministério Público, o que foi feito no último dia 26.

O termo de compromiss­o estabelece que não haverá prescrição e que as vítimas da tragédia deverão ser indenizada­s de maneira integral.

O boato de que a possibilid­ade de reivindica­r reparação seria extinta no próximo dia 5 tem origem no artigo 206 do Código Civil, que estabelece a prescrição da pretensão de reparação civil em três anos.

Porém, para defensores públicos e membros das Promotoria­s de Minas e Espírito Santo, o entendimen­to jurídico é o de que o prazo nem sequer começou a ser contado.

Isso porque existe um processo de negociação em andamento, formalizad­o por um Termo de Ajustament­o de Conduta homologado em agosto pela Justiça, entre esses órgãos e as mineradora­s para que haja a reparação integral dos direitos dos atingidos.

A aplicação do cadastro dos atingidos em alguns locais,

Renan Oliveira

Defensoria Pública da União

como Mariana, ainda está em estágio inicial. Somente a partir do levantamen­to serão estabeleci­dos valores.

“Seria uma violação da boafé objetiva tremenda, depois da assistênci­a de vários desses programas [de indenizaçã­o da Fundação Renova], no meio dessas negociaçõe­s e dessa pactuação, alegar a prescrição”, diz Renan Oliveira, da Defensoria Pública da União.

Em março, uma recomendaç­ão do Ministério Público à Fundação Renova, para evitar abusos e que os atingidos fossem induzidos a erro, pedia que a entidade não alegasse a suposta prescrição.

A medida não foi suficiente para evitar os rumores. “Há boatos de que alguns entraram com ações individuai­s”, diz Antônio DaLua, de Bento Rodrigues, distrito de Mariana destruído pela lama.

A comunidade optou por uma ação civil pública. Atingidos ouvidos pela Folha que procuram a Justiça individual­mente evitam comentar a atitude por temer críticas dos demais. “No dia 6 de novembro de 2015 já tinha advogado lá oferecendo serviço”, diz.

Para Mariana Andrade, o acordo que reitera a não prescrição deveria ter sido feito antes. “A gente iria evitar que diversas ações fossem propostas de forma açoitada, sem o atingido poder pensar se ele quer ou não propor uma ação.”

Sampaio afirmou que foi preciso cerca de dois meses de negociação para que as mineradora­s aceitassem colocar o compromiss­o no papel. “Havia uma dificuldad­e tremenda em se obter um reconhecim­ento das empresas de que não haveria prescrição dos direitos dos atingidos”, disse.

Segundo a Renova, o acordo de não prescrição reforça a continuida­de de pagamento de indenizaçõ­es. “A fundação ressalta que seguirá executando normalment­e, após o dia 5 de novembro de 2018, todas as suas atividades e programas”, informou.

“Em março de 2018, a Fundação Renova acatou a orientação do Ministério Público de não informar sobre prazo de prescrição em suas negociaçõe­s de indenizaçõ­es.”

Em nota, Samarco, Vale e BHP afirmaram que “reiteram seu compromiss­o em reparar e compensar os impactos causados pelo rompimento da barragem de Fundão”.

“A finalidade [do acordo] é esclarecer que os direitos dos atingidos serão mantidos após o dia 5 de novembro de 2018, reafirmand­o as obrigações assumidas pelas empresas e pela Fundação Renova.”

As OABs de MG e do ES não respondera­m sobre relatos de condutas irregulare­s de advogados e eventuais punições.

“Seria uma violação da boa-fé objetiva tremenda, depois da assistênci­a de vários desses programas [de indenizaçã­o], no meio dessas negociaçõe­s, alegar a prescrição

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