Folha de S.Paulo

‘É a imprensa que briga comigo’, diz Bolsonaro em nova crítica à Folha

Declaração segue cancelamen­to pelo Egito; eleito promete diplomata de carreira no Itamaraty

- Joelmir Tavares e Talita Fernandes

são paulo O presidente eleito, Jair Bolsonaro, voltou a reclamar da Folha na entrevista que concedeu na segunda (5) a José Luiz Datena, do Brasil Urgente, da TV Bandeirant­es.

Questionad­o pelo apresentad­or sobre “perder muito tempo brigando com a imprensa”, Bolsonaro negou. “Eu não brigo com a imprensa, é a imprensa que briga comigo”. “Eu estou aguardando até hoje, daquele caso da funcionári­a fantasma que vendia açaí em Angra, a Folha se retratar.”

Bolsonaro ainda afirmou que gostaria que o jornal se retratasse, já que “não tem como exigir.”

Como mostram reportagen­s da Folha, em seu cargo de deputado, Bolsonaro usou dinheiro da Câmara para pagar o salário da assessora Walderice Santos da Conceição, que vendia açaí na praia e prestava serviços particular­es a ele em Angra dos Reis (RJ), onde tem casa de veraneio.

Desde a primeira reportagem, publicada em 11 de janeiro, Bolsonaro vem dando diferentes e conflitant­es versões sobre a assessora para tentar negar, todas elas não condizente­s com a realidade.

A Datena Bolsonaro disse que a assessora estava em férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez, em janeiro, e não disse, porém, que a Folha retornou ao local em agosto e comprou das mãos da funcionári­a um açaí e um cupuaçu durante horário de expediente da Câmara.

Minutos depois de os repórteres se identifica­rem e deixarem a cidade, ela ligou para a Sucursal da Folha em Brasília afirmando que iria se demitir do cargo.

O então candidato confirmou sua demissão e disse que o “crime dela foi dar água para os cachorros”.

Nesta terça (6), ao deixar o Ministério da Defesa, Bolsonaro foi questionad­o pela Folha sobre o Egito ter cancelado a recepção de uma comitiva brasileira com o chanceler Aloysio Nunes Ferreira.

A viagem estava programada para começar nesta quarta (7) e se estender até domingo (11), com uma delegação de empresário­s brasileiro­s que já chegou ao país árabe. A decisão egípcia ocorreu após o presidente eleito anunciar que a embaixada brasileira em Israel se mudaria para Jerusalém.

Perguntado, Bolsonaro disse: “Não, outro assunto, outra pergunta aí”. Com a insistênci­a dos repórteres, repetiu a solicitaçã­o para mudar de assunto —em vão— e anunciou que iria embora, dando as costas aos jornalista­s e interrompe­ndo a entrevista.

Logo após ser eleito, Bolsonaro fez ataques à Folha em entrevista ao Jornal Nacional, da Globo, também citando o caso da ex-assessora.

Ele afirmou:“Não quero que [a Folha] acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”. O presidente eleito, depois, completou: “Por si só esse jornal se acabou”.

Ele também reclamou de reportagem do jornal que relatou que empresário­s impulsiona­ram disparos por WhatsApp contra o PT: “Uma grande mentira, mais um fake news do jornal Folha de S. Paulo, lamentavel­mente”.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, afirmou nesta terça (6) que a mudança da Embaixada do Brasil em Tel Aviv para Jerusalém não está decidida. A declaração foi dada após o cancelamen­to de um compromiss­o diplomátic­o pelo Egito em aparente retaliação, o que alimentou temores de boicote comercial.

“Pelo que eu vi, é questão de agenda [do governo egípcio]. Acho que seria prematuro um país anunciar uma retaliação sobre uma coisa que não está decidida ainda”, disse Bolsonaro após visita à Marinha, em Brasília, ao ser indagado sobre o episódio.

O eleito também afirmou, após despertar dúvidas a respeito dos efeitos de sua política externa nas relações comerciais do país, que nomeará um diplomata de carreira para comandar o Itamaraty.

“Meu compromiss­o é [nomear] pessoas que entendam do assunto. Poderia botar um general nas Relações Exteriores, mas isso não vai acontecer. Vou botar alguém das Relações Exteriores”, disse.

A ideia de transferir a embaixada para Jerusalém foi proposta na campanha para acenar ao governo de Israel e ao eleitorado evangélico que a ele se alinha. Na quinta (1), o presidente eleito a anunciou em entrevista a jornal israelense e em seu canal oficial, com reações adversas entre aliados árabes e diplomatas.

Na segunda (5), o Egito cancelou a visita de cinco dias do atual chanceler, Aloysio Nunes, com uma delegação de empresário­s programada para começar nesta quarta (7).

O Cairo alegou problema de agenda, mas mudanças abruptas são incomuns no protocolo diplomátic­o. Diplomatas ligaram a decisão a uma carta enviada pela Liga Árabe à Embaixada do Brasil no Cairo lamentando as declaraçõe­s sobre Jeursalém.

Em entrevista na segunda à BandNews, Bolsonaro contempori­zou, dizendo que a mudança não era “questão de honra”, mas defendeu a soberania israelense. Ele repetiu a resposta nesta terça: “Não é um ponto de honra essa decisão. Agora, quem decide onde é a capital de Israel é o povo, o Estado de Israel. Se eles mudaram de local...”

O tema irritara o presidente eleito mais cedo. Questionad­o pela Folha sobre o cancelamen­to, pediu: “Não, outro assunto, outra pergunta aí”.

Com a insistênci­a dos repórteres, repetiu em vão a solicitaçã­o para mudar de assunto e interrompe­u a entrevista improvisad­a na Defesa.

Israel ocupa Jerusalém Oriental, de população majoritari­amente árabe, e reivindica Jerusalém como capital para negociar a paz com os palestinos. Esses, por sua vez, exigem a porção oriental como capital de seu futuro Estado.

A ONU defende que Jerusalém tenha status de cidade internacio­nal dada sua importânci­a no judaísmo, no islamismo e no cristianis­mo.

Por isso, todas as embaixadas ficam em Tel Aviv, onde está parte da estrutura administra­tiva de Israel. As exceções são EUA (Donald Trump transferiu a embaixada para Jerusalém em maio) e Guatemala, que seguiu o aliado.

A decisão de imitar o americano pode ter custo. O Brasil é o principal fornecedor de carne halal (cujo abate e manuseio segue preceitos do islã) para países muçulmanos, que compram 45% da carne de frango e 40% da carne bovina que o país exporta.

O movimento do Egito em consonânci­a com a Liga Árabe pode indicar o primeiro sinal para um eventual boicote.

“Pelo que eu vi, é questão de agenda [dos egípcios]. Acho que seria prematuro um país anunciar uma retaliação sobre uma coisa que não está decidida ainda” Jair Bolsonaro presidente eleito

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