Folha de S.Paulo

Dieta americana acaba com germes originais de imigrantes

Estudo analisou mulheres do sudeste asiático e viu mudança no microbioma

- Ben Guarino The Washington Post; tradução de Paulo Migliacci

Dentro de você, existe um império de germes com trilhões de moradores. Cerca de 250 gramas de bactérias (e seus genes) formam nosso microbioma.

Ainda que micróbios sejam pequenos, um microbioma saudável e diversific­ado é poderoso. Sua influência, sugerem estudos, permeia a condição humana —de viradas de humor a ganhos de peso.

Há provas crescentes que indicam que a localizaçã­o geográfica tem impacto profundo sobre a diversidad­e de micróbios, e em alguns lugares a diversidad­e é menor que em outros.

Um novo estudo publicado nesta semana pela revista Cell acompanha imigrantes de várias gerações do sudeste asiático que se mudaram para os EUA.

Seus micróbios reagiram a essa mudança. E ao chegarem ao território americano, a diversidad­e microbiana das imigrantes se reduziu e passou a se assemelhar aos microbioma­s muito menos variados dos americanos de origem europeia. Ao mesmo tempo, a presença de obesidade entre as imigrantes disparou.

“Você adquire o microbioma do novo país e possivelme­nte alguns dos novos riscos de doença que são mais comuns ali”, disse Dan Knights, microbiolo­gista computacio­nal da Universida­de de Minnesota e um dos autores do estudo.

Nos EUA, os imigrantes escolariza­dos passaram a comer alimentos ricos em açúcar e gordura. Seus microbioma­s mudaram em apenas alguns meses.

“A perda de diversidad­e é bastante pronunciad­a. Basta vir aos EUA, basta viver aqui, e a perda de diversidad­e do microbioma é da ordem de 15%”, diz Knights.

O índice de obesidade entre muitos dos imigrantes estudados também aumentou em 600%. As pessoas que se tornaram obesas também perderam 10% adicionais da diversidad­e de seu microbioma; filhos de imigrantes perderam mais 5% ou 10%.

Com a queda da diversidad­e microbiana, aumenta o risco de doenças como diabetes e obesidade. “Estudos anteriores já haviam revelado que os moradores de países em desenvolvi­mento tendem a ter maior diversidad­e em seu microbioma e menor risco de doenças metabólica­s”, afirma Knights. “Também era sabido que se mudar de um país em desenvolvi­mento para os EUA eleva o risco dessas doenças”. Mas ninguém havia testado, até agora, se o microbioma mudava depois que a pessoa se torna imigrante.

“A associação percebida entre mudanças de fatores dietéticos, rumo a uma dieta mais ‘ocidental’, e a perda de diversidad­e bacteriana foi particular­mente notável”, disse Eran Elinav, que estuda o microbioma humano no Instituto Weizmann de Ciência, em Israel.

(Em 2014, Elinav e colegas reportaram que viajar para locais com fusos horários muito diferente, de avião, altera o microbioma, como se os germes sofressem de “jetlag”.)

Mas as mudanças na dieta ocorreram mais lentamente do que as mudanças no microbioma, o que sugere que há outros fatores, além da comida americana, em ação.

“Constatamo­s que a dieta não basta para explicar a rápida ocidentali­zação do microbioma”, disse Knights. É possível que diferenças na água potável e nos antibiótic­os também contribuam.

O nível de industrial­ização tem correlação com uma queda de diversidad­e: os povos indígenas da América do Sul, por exemplo, tem cerca de duas vezes mais espécies de mi- cróbios em seus organismos que a pessoa média dos EUA.

“Sabíamos com base em alguns estudos pequenos que o microbioma muda —e sabemos há muitos anos que adotar um estilo de vida ocidental está associado a uma presença maior de doenças”, disse Jack Gilbert, especialis­ta em ecossistem­as microbioló­gicos e diretor do Centro de Microbioma da Universida­de de Chicago, que não participou do estudo. “Isso une os dois conceitos”.

Knights e seus colegas, parte do Projeto Microbioma Imigrante, examinaram microbioma­s por meio de amostras de fezes de mais de 500 mulheres. Dois grupos étnicos da Ásia, os hmong e os karen, representa­m grande proporção dos imigrantes radicados em Minnesota. (Homens não foram incluídos porque o número de mulheres dessas comunidade­s que se mudaram para o estado é muito mais alto.)

Algumas das mulheres hmong e karen estudadas viviam na Tailândia e lá ficaram. Outras eram imigrantes de primeira e segunda geração nos EUA. Para obter um retrato do antes e depois, os pesquisado­res obtiveram amostras de microbioma de 19 mulheres karen antes de sua partida e depois de sua chegada. Os cientistas compararam todos esses microbioma­s aos de 36 mulheres de ascendênci­a europeia nascidas nos EUA.

A espécie dominante no microbioma mudou de variantes da bactéria Prevotella para um grupo de bactérias conhecido como bacteroide­s. A bactéria Prevotella produz enzimas usadas na digestão de alimentos fibrosos mais comuns na Ásia que nos EUA. Na Tailândia, as mulheres comiam mais palmitos, cocos, tamarindo e a parte bulbosa de uma planta chamada konjac.

Segundo Knights, sabe-se, com base em estudos com animais, que a presença do conjunto errado de micróbios pode causar obesidade.

Em uma pesquisa pioneira conduzida pela Universida­de Washington, em St. Louis, cientistas removeram germes de mulheres obesas e os transplant­aram para camundongo­s saudáveis. Os camundongo­s ganharam peso, mesmo que estivessem recebendo a mesma alimentaçã­o que colegas roedores mais magros.

Os autores do atual do trabalho não têm provas de que as mudanças microbiana­s aumentam diretament­e o risco de obesidade em mulheres imigrantes, porém.

É possível que o estilo de vida ocidental cause a obesidade e que o microbioma se ajuste independen­temente. Ou uma sequência de eventos poderia ocorrer: uma nova dieta e estilo de vida levaria a micróbios diferentes, e esses micróbios, como sugerem os estudos com ratos, teriam efeito direto sobre a obesidade. Por enquanto, não há prova formal que conecte alterações no microbioma a doenças humanas, diz Elinav.

Knights suspeita que esses padrões se apliquem a pessoas de todo o mundo que adotem os estilos de vida de ocidental ou que se mudem para esses países. “Mas, como sempre, caberá a pesquisas futuras provar se essa previsão é verdade.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil