Dieta americana acaba com germes originais de imigrantes
Estudo analisou mulheres do sudeste asiático e viu mudança no microbioma
Dentro de você, existe um império de germes com trilhões de moradores. Cerca de 250 gramas de bactérias (e seus genes) formam nosso microbioma.
Ainda que micróbios sejam pequenos, um microbioma saudável e diversificado é poderoso. Sua influência, sugerem estudos, permeia a condição humana —de viradas de humor a ganhos de peso.
Há provas crescentes que indicam que a localização geográfica tem impacto profundo sobre a diversidade de micróbios, e em alguns lugares a diversidade é menor que em outros.
Um novo estudo publicado nesta semana pela revista Cell acompanha imigrantes de várias gerações do sudeste asiático que se mudaram para os EUA.
Seus micróbios reagiram a essa mudança. E ao chegarem ao território americano, a diversidade microbiana das imigrantes se reduziu e passou a se assemelhar aos microbiomas muito menos variados dos americanos de origem europeia. Ao mesmo tempo, a presença de obesidade entre as imigrantes disparou.
“Você adquire o microbioma do novo país e possivelmente alguns dos novos riscos de doença que são mais comuns ali”, disse Dan Knights, microbiologista computacional da Universidade de Minnesota e um dos autores do estudo.
Nos EUA, os imigrantes escolarizados passaram a comer alimentos ricos em açúcar e gordura. Seus microbiomas mudaram em apenas alguns meses.
“A perda de diversidade é bastante pronunciada. Basta vir aos EUA, basta viver aqui, e a perda de diversidade do microbioma é da ordem de 15%”, diz Knights.
O índice de obesidade entre muitos dos imigrantes estudados também aumentou em 600%. As pessoas que se tornaram obesas também perderam 10% adicionais da diversidade de seu microbioma; filhos de imigrantes perderam mais 5% ou 10%.
Com a queda da diversidade microbiana, aumenta o risco de doenças como diabetes e obesidade. “Estudos anteriores já haviam revelado que os moradores de países em desenvolvimento tendem a ter maior diversidade em seu microbioma e menor risco de doenças metabólicas”, afirma Knights. “Também era sabido que se mudar de um país em desenvolvimento para os EUA eleva o risco dessas doenças”. Mas ninguém havia testado, até agora, se o microbioma mudava depois que a pessoa se torna imigrante.
“A associação percebida entre mudanças de fatores dietéticos, rumo a uma dieta mais ‘ocidental’, e a perda de diversidade bacteriana foi particularmente notável”, disse Eran Elinav, que estuda o microbioma humano no Instituto Weizmann de Ciência, em Israel.
(Em 2014, Elinav e colegas reportaram que viajar para locais com fusos horários muito diferente, de avião, altera o microbioma, como se os germes sofressem de “jetlag”.)
Mas as mudanças na dieta ocorreram mais lentamente do que as mudanças no microbioma, o que sugere que há outros fatores, além da comida americana, em ação.
“Constatamos que a dieta não basta para explicar a rápida ocidentalização do microbioma”, disse Knights. É possível que diferenças na água potável e nos antibióticos também contribuam.
O nível de industrialização tem correlação com uma queda de diversidade: os povos indígenas da América do Sul, por exemplo, tem cerca de duas vezes mais espécies de mi- cróbios em seus organismos que a pessoa média dos EUA.
“Sabíamos com base em alguns estudos pequenos que o microbioma muda —e sabemos há muitos anos que adotar um estilo de vida ocidental está associado a uma presença maior de doenças”, disse Jack Gilbert, especialista em ecossistemas microbiológicos e diretor do Centro de Microbioma da Universidade de Chicago, que não participou do estudo. “Isso une os dois conceitos”.
Knights e seus colegas, parte do Projeto Microbioma Imigrante, examinaram microbiomas por meio de amostras de fezes de mais de 500 mulheres. Dois grupos étnicos da Ásia, os hmong e os karen, representam grande proporção dos imigrantes radicados em Minnesota. (Homens não foram incluídos porque o número de mulheres dessas comunidades que se mudaram para o estado é muito mais alto.)
Algumas das mulheres hmong e karen estudadas viviam na Tailândia e lá ficaram. Outras eram imigrantes de primeira e segunda geração nos EUA. Para obter um retrato do antes e depois, os pesquisadores obtiveram amostras de microbioma de 19 mulheres karen antes de sua partida e depois de sua chegada. Os cientistas compararam todos esses microbiomas aos de 36 mulheres de ascendência europeia nascidas nos EUA.
A espécie dominante no microbioma mudou de variantes da bactéria Prevotella para um grupo de bactérias conhecido como bacteroides. A bactéria Prevotella produz enzimas usadas na digestão de alimentos fibrosos mais comuns na Ásia que nos EUA. Na Tailândia, as mulheres comiam mais palmitos, cocos, tamarindo e a parte bulbosa de uma planta chamada konjac.
Segundo Knights, sabe-se, com base em estudos com animais, que a presença do conjunto errado de micróbios pode causar obesidade.
Em uma pesquisa pioneira conduzida pela Universidade Washington, em St. Louis, cientistas removeram germes de mulheres obesas e os transplantaram para camundongos saudáveis. Os camundongos ganharam peso, mesmo que estivessem recebendo a mesma alimentação que colegas roedores mais magros.
Os autores do atual do trabalho não têm provas de que as mudanças microbianas aumentam diretamente o risco de obesidade em mulheres imigrantes, porém.
É possível que o estilo de vida ocidental cause a obesidade e que o microbioma se ajuste independentemente. Ou uma sequência de eventos poderia ocorrer: uma nova dieta e estilo de vida levaria a micróbios diferentes, e esses micróbios, como sugerem os estudos com ratos, teriam efeito direto sobre a obesidade. Por enquanto, não há prova formal que conecte alterações no microbioma a doenças humanas, diz Elinav.
Knights suspeita que esses padrões se apliquem a pessoas de todo o mundo que adotem os estilos de vida de ocidental ou que se mudem para esses países. “Mas, como sempre, caberá a pesquisas futuras provar se essa previsão é verdade.”