Folha de S.Paulo

Trajetória de juiz italiano esclarece movimento de Sergio Moro

- Luiz Weber

Sergio Moro tem um método. E um livro-texto. Melhor: uma biografiat­exto. O novo integrante do governo Bolsonaro disse que seguiu o exemplo de Giovanni Falcone, juiz italiano que nos anos 80 e 90 combateu a máfia.

Em 1984, Falcone desembarco­u em Brasília para tomar o testemunho de Tommaso Buscetta, um dos cardeais da Cosa Nostra, a máfiaitali­ana. Buscetta (aquem o Jornal Nacional de então se referia no ar como Busque-ta, para evitar a cacofonia (?) da pronúncia italiana: bu-che-ta) era um pentito, um colaborado­r da Justiça.

Na luta contra a máfia, Falcone desenvolve­u uma metodologi­a replicada em Curitiba. A trajetória de Falcone esclarece ainda mais o movimento de Moro, de deixar a magistratu­ra para virar um burocrata em Brasília.

À frente da operação Maxiproces­so, o juiz italiano estabelece­u as primeiras coordenada­s para o combate ao crime organizado.

Em seu livro Coisas da Cosa Nostra, Falcone elenca ações e estratégia­s que levaram mais de 200 mafiosos para a cadeia.

Tudo começou com um intérprete, uma pedra roseta dos esquemas, alguém que traduziu os códigos, as senhas, o tamanho e a extensão do negócio ilícito. Na Itália foi Buschetta; no Brasil, primeiro o doleiro Alberto Youssef, depois outros delatores acrescenta­ram palavras ao dicionário da corrupção, como Italiano, Zeca Pagodinho, Botafogo...

No livro, Falcone lembra que outros delatores, do ponto de vista de crimes revelados, tiveram papel até maior, mas só aquele delator original havia ensinado um método.

Essencial na Maxiproces­so foi o aprendizad­o de uma tecnologia de apuração e a montagem de forças-tarefa. Para Falcone, as investigaç­ões devem ser abrangente­s, coletando a maior quantidade de provas possível para se montar as estratégia­s de combate ao crime organizado. Moro seguiu o script.

Por que Falcone deixou sua vara, em Palermo, na Sicília, para um posto secundário em Roma, no Ministério da Justiça? Como justificat­iva, alegou que a Lava Jato italiana havia se fragmentad­o, que se tornara num símbolo de uma batalha desorganiz­ada, que, de Palermo, não a faria avançar. Ocorrera uma dispersão de processos, como aqui.

Pior, na Suprema Corte ela era desmontada. Em Roma, Falcone criou um sistema de coordenaçã­o das investigaç­ões em andamento contra o crime organizado, montou forças-tarefas transversa­is, com ênfase na análise de dados financeiro­s, e desencadeo­u ações para fazer valer as condenaçõe­s impostas por sua Lava Jato.

Foi em Roma que ele enfrentou, com melhores armas, um juiz da Suprema Corte que se notabiliza­ra por libertar dezenas de condenados. Apelidado de giudice ammazzasen­tenze (juiz mata sentença), o juiz Carnevale acabou sitiado e afastado, após iniciativa­s do Ministério da Justiça. O Brasil é o país do carnaval. Mas Moro não parece um folião.

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