OAB de São Paulo virou caixa-preta, diz candidato a presidente
Criminalista Leonardo Sica afirma que seccional paulista da entidade perdeu relevância e não é transparente
Candidato a presidente da OAB de São Paulo, o advogado Leonardo Sica, 44, diz que a entidade se transformou numa grande caixapreta. “Recebe muito dinheiro, mas sem contrapartida de transparência.”
Ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Sica considera que, por falta de democracia interna, a OAB perdeu relevância, despertando um sentimento de indiferença entre os próprios advogados.
Para o criminalista, é papel da Ordem dos Advogados do Brasil defender as garantias constitucionais, sobretudo no momento político atual, em que “existem muitos grupos no Brasil dispostos a rasgá-las”.
A eleição paulista será dia 29 de novembro. Até o início de dezembro, todas as seccionais do OAB pelo país escolherão seus novos presidentes e conselheiros. Em janeiro do ano que vem ocorrerá eleição para o comando da OAB nacional.
Qual a sua avaliação sobre a OAB de São Paulo hoje?
A OAB-SP tornou-se uma grande burocracia e, acima de tudo, uma caixa-preta. É uma entidade que recebe muito dinheiro, que vive da contribuição obrigatória dos advogados, sem oferecer nenhuma contrapartida de apoio ou de transparência. São milhões de reais sem que se saiba o que é feito com um único centavo. É a instituição menos transparente do cenário nacional.
O senhor está dizendo que há mau uso do dinheiro?
Não tenho indícios disso. Mas temos uma entidade obscura em termos de transparência e controlada há quase 20 anos pelo mesmo grupo político. A OAB é um símbolo da democracia, mas não pratica a democracia. Daí a sua perda de relevância. A advocacia tem um sentimento de indiferença em relação à OAB, o que é péssimo. E a sociedade vê a OAB como um grande sindicato burocrático e atrasado.
Essa sua crítica se estende à OAB nacional?
Anacional nem sequer tem eleições diretas. É mais fechada e hermética, o que é mais grave, pois no campo de proteção da democracia, do Estado democrático de Direito, seu papel deveria ser ainda mais relevante. Em São Paulo, a rotina dos dirigentes da OAB é circular e fazer cerimônia de entrega de medalha e inauguração de equipamentos. Com o nosso dinheiro.
Qual deve ser o papel da OAB, sobretudo no atual momento político no qual o presidente eleito, Jair Bolsonaro, defende a ditadura militar e já pregou o fechamento do Congresso?
Num cenário incerto como o atual, o papel da OAB parece ser mais relevante. Há muitos grupos no Brasil dispostos a rasgar as garantias constitucionais.
Grupos que se sentem bem representados agora. A posse sempre ilumina de responsabilidade quem senta lá. Resta verificar se o presidente vai servir de anteparo a essas pretensões que estão nas ruas.
Ao falar da Folha, Bolsonaro disse que “esse jornal se acabou”. Declarações como essas são problemáticas ou apenas retórica política?
É retórica e é problemática. Toda palavra na boca de um presidente tem peso pedagógico.
Quando um governador diz que bandido bom é bandido morto, aumenta a violência policial. É grave. O poder de intervenção do chefe de Estado é muito controlado pelas instituições. Mas o poder do presidente é o poder do discurso. A OAB tem de cumprir o papel histórico da advocacia. O do discurso contra o majoritário. Remar contra a maré mesmo que isso seja doído.
O sr. já disse que cresceram os obstáculos para o exercício independente e sem receio da profissão. Explique melhor. A advocacia está muito comprimida por um Judiciário superempoderado. Tem juiz que entende que o seu papel é o de fazer a máquina andar e que o advogado atrapalha.
O Judiciário está muito pressionado pela questão da produtividade. Para produzir números. E qual o efeito disso? Os agentes públicos entendem que o advogado é um obstáculo. Muitas vezes é mesmo. É nosso papel brecar a roda da Justiça quando tende para a injustiça, na visão do cliente.
“A OAB-SP é uma entidade que recebe muito dinheiro, que vive da contribuição obrigatória dos advogados, sem oferecer nenhuma contrapartida de apoio ou de transparência
Masa morosidade nãoé um problema grave do Judiciário? Não tem de estar preocupadocom números mesmo?
A pressão foi boa no início, pois o Judiciário realmente nunca tinha sofrido nenhum tipo de controle administrativo. Mas tornou-se excessiva quando se concentrou apenas na questão dos números.
Tem juiz sendo punido por não baixar a pilha de processos. Isso precisa ser analisado com particularidade. Qual o problema de um julgamento levar dois anos num caso que pode resultar em 20 anos de prisão? Vale a pena esperar e julgar com mais calma.