Folha de S.Paulo

À vontade, Trump insulta repórteres como candidatos de ‘reality’

- Nelson de Sá

Os democratas viraram maioria na Câmara, mas isso já era previsto —e Trump ampliou seu poder no Senado, o que deu a ele liberdade para demitir de imediato seu desafeto da Justiça, com folga para aprovar o substituto.

No intervalo, o presidente americano deu uma longa entrevista coletiva e, empoderado, à vontade como nos tempos do reality show “O Aprendiz”, em que seu bordão era “you’re fired” (você está demitido), abusou seguidamen­te dos repórteres.

Yamiche Alcindor, da PBS, perguntou se seu “nacionalis­mo” é também “nacionalis­mo branco”, como são chamados grupos racistas de extremadir­eita no país. Trump provocou Alcindor, que é negra: “É uma pergunta tão racista”.

Noutro momento, ele recusou uma questão de April Ryan, da rede de rádio American Urban e comentaris­ta eventual da CNN, também negra, ordenando: “Sente-se”.

Mas o maior confronto foi com Jim Acosta, que cobre Casa Branca para a CNN. Começou com uma expressão de irritação, quando o repórter anunciou que iria desafiá-lo (“challenge”) sobre uma declaração da campanha.

“Lá vamos nós”, comentou, irritado. O diálogo foi daí para baixo. Trump ironizou, por exemplo, uma descrição feita por Acosta: “Obrigado por me contar, agradeço”. Mais alguns entreveros e o presidente dos EUA perdeu a paciência:

“Sinceramen­te, eu acho que você deveria me deixar comandar o país. Você comanda a CNN. E, se você fizesse isso bem, sua audiência seria muito melhor.”

Acosta insistiu, Trump cortou seguidamen­te: “Já basta, já basta”. Depois: “Já basta, entregue o microfone”. Uma funcionári­a da Casa Branca tentou pegar o microfone, mas o repórter resistiu.

Quando Acosta entregou afinal o microfone, Trump voltou ao pódio e dirigiu-se a ele, como se fosse um candidato de seu velho programa: “A CNN devia ter vergonha por ter você trabalhand­o lá. Você é uma pessoa grosseira, horrível. Você não deveria estar trabalhand­o na CNN”.

Entrou o repórter seguinte, Peter Alexander, da NBC, que tentou defender o colega, apenas para ouvir, do presidente: “Bem, eu não sou também um grande fã seu, para ser sincero”. Depois, no mesmo tom: “Você não é o melhor”.

Acosta se levantou para falar alguma coisa sem microfone, ao que Trump reagiu: “Quando você publica ‘fake news’, o que a CNN faz bastante, você é o inimigo do povo”

No debate online que se seguiu, colegas elogiaram Acosta por não ter abaixado a cabeça, enquanto outros compararam Trump a ditadores como Hitler e falaram da necessidad­e de reagir no mesmo tom às grosserias.

A CNN divulgou uma nota: “Os ataques contínuos deste presidente à imprensa foram longe demais. Eles não são apenas perigosos. Eles são perturbado­ramente antidemocr­áticos. Uma imprensa livre é vital para a democracia, e nós apoiamos Jim Acosta e seus colegas jornalista­s de todos os lugares”.

Mas outros colegas lembraram, não sem razão, como fez um editor do Sun, do mesmo grupo pró-Trump da Fox News, que Trump é um caso à parte, por conceder “mais entrevista­s e mais longas”.

E com mais audiência.

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