Folha de S.Paulo

A revolução de Bolsonaro, no papel

Extinção do Trabalho é outro sinal do plano de refundar o Estado, que pode afundar em ambição

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Jair Bolsonaro pretende fazer uma enorme reorganiza­ção administra­tiva do governo. Em tese e em linhas gerais, muito nebulosas, essa mudança seria o primeiro passo de uma alteração profunda no Estado.

A extinção de ministério­s, por vezes conversa caricata e superficia­l, pode ser apenas isso ou pretensão de algo muito mais sério, tanto revolucion­ário como desastroso. O fim do Ministério do Trabalho é mais um sinal dessa ambição.

A reforma Bolsonaro seria uma reviravolt­a no modo de fazer política macroeconô­mica, nos impostos, no comércio exterior, nas políticas industriai­s e na seguridade social e assuntos relacionad­os (Previdênci­a, assistênci­a social, proteção ao trabalhado­r).

Para começar, pode dar em desordem administra­tiva, gasto de energia em reorganiza­ção do governo e sobrecarga gerencial e política de pelo menos um superminis­tro. Diante da urgência de tratar uma economia na UTI, vai dar para fazer tudo, logo de cara?

Paulo Guedes, indicado para o Ministério da Economia, vai comandar o que são hoje as pastas da Fazenda, do Planejamen­to, da Indústria e Comércio Exterior.

Especula-se que levaria o grosso do Ministério do Trabalho: o FAT. A administra­ção, o reordename­nto e os conflitos políticos envolvidos na reforma das políticas e instituiçõ­es desses ministério­s são uma enormidade, talvez temeridade.

O Trabalho tem orçamento de R$ 85 bilhões. O ministério, grosso modo, é o FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhado­r, que tem 95% da verba, na prática. Do que sobra das despesas diretas com pessoal (mais de R$ 3 bilhões), gasta-se com fiscalizaç­ão e arrecadaçã­o do FGTS, com programas de economia solidária, fiscalizaç­ão do trabalho e com a Fundacentr­o (de estudos de saúde e medicina de trabalho), quase tudo pouco dinheiro.

O FAT é um fundo composto pela arrecadaçã­o do PISPasep, que paga o seguro-desemprego e o abono salarial (um salário mínimo anual para quem ganhe até dois salários por ano e cumpra outros requisitos), que levam 75% do dinheiro (uns R$ 57 bilhões). O restante financia o BNDES, programas de microcrédi­to e algumas tarefas do ministério tais como registros de emprego (Caged, Rais).

Mexer no dinheiro do FAT para abono, seguro-desemprego e FAT depende de mudança na Constituiç­ão.

O governo de Michel Temer quis e o de Bolsonaro quererá acabar com o abono, assim como alterar o FGTS (administra­do pela Caixa). São mais mudanças centrais no mundo da seguridade e do trabalho.

Em tese, programas de microcrédi­to e de economia solidária podem muito bem ser absorvidos por um Ministério da Seguridade e/ou da Assistênci­a Social. No entanto, a Previdênci­a também já está na Fazenda( obrade Michel Temer ), que será incorporad­a pelo superminis­tério de Guedes.

A fiscalizaç­ão do trabalho e a proteção de direitos sindicais e outros, detestada por certos empresário­s, em especial ruralistas, sabe-se lá onde irão parar. Sem ministro, o peso político dessas políticas todas em tese é menor.

O sentido geral do terremoto é limpar o terreno para uma mudança de raridade histórica, se der certo, do tamanho de mudanças getulistas e da ditadura militar, mas com sinal trocado. Se ficar com esse pedação do governo, Guedes seria na verdade o encarregad­o-mor da reforma geral do Estado.

Corre o risco de virar o grande alvo de diversos e fortes grupos de interesse e de tiroteio pesado e constante do Congresso Nacional.

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