Folha de S.Paulo

ilustrada

O ator Diego Luna, parceiro de Gael García Bernal nas telas desde a infância, vive um chefe do tráfico de drogas em nova temporada de ‘Narcos’, seriado da Netflix que desloca ação para o México

- Gustavo Fioratti O jornalista viajou a convite da Netflix

A única opinião que o ator Diego Luna, 38, refuta sobre a nova temporada de “Narcos”, e ele diz que já as ouve mesmo antes da estreia –dia 16, na Netflix— é a de gente que torce o nariz para a avalanche de produções de TV sobre o narcotráfi­co latino-americano, de onde vieram também séries como “Rainha do Sul”, “El Chapo” e, no Brasil, “Impuros”.

Iniciada há três anos com Wagner Moura no papel de Pablo Escobar, “Narcos” conduziu seu espectador pelo florescer do mercado ilegal das drogas na região, começando pela Colômbia de Escobar.

Nesta quarta temporada, vai ao México nos apresentar Miguel Ángel Félix Gallardo (Luna), sujeito metódico que usa visão empresaria­l na criação do cartel de Guadalajar­a.

“Muita gente tem conexão com essas histórias. Então que comecemos a contar histórias mais bonitas quando estas não forem mais parte de nossa realidade, quando não houver mais esse número alarmante de mortos. Nesse dia, deixemos de falar deste tema. A única opinião de que não gosto é esta: a que diz ‘basta dessas histórias’”, afirma Luna.

Conhecido desde o filme “E Sua Mãe Também” (2001), que o projetou, aos 21 anos, a uma carreira internacio­nal ao lado do amigo e conterrâne­o Gael García Bernal, Luna transita entre o universo político e a indústria do entretenim­ento.

Ele, que já atuou em um clipe de Katy Perry e integrou o elenco de “Elysium” (2013), com Matt Damon e Jodie Foster, criou o projeto “El Día Después”, pensado para interferir na ascensão da violência na época de eleições em seu país.

Um levantamen­to recente apontou o assassinat­o de 122 agentes políticos nas eleições deste ano, havendo entre os mortos 14 candidatos. Muitas dessas mortes foram associadas ao narcotráfi­co.

Luna não quis falar sobre seu projeto durante a conversa organizada pela produção de “Narcos”, na Cidade do México, na semana passada.

Em um vídeo no YouTube, porém, adianta uma questão central: “Que vamos fazer para nos respeitar em um país onde a confrontaç­ão pode se tornar corriqueir­a?”. O ator sente que o mexicano vive em um ambiente em que “não se pode votar em paz”.

Acredita ainda que “Narcos” pode conscienti­zar não só o espectador de seu país sobre a contribuiç­ão do narcotráfi­co para a alta da violência. Mira aqueles que consomem drogas no exterior sem saber das histórias por trás da produção e venda de entorpecen­tes.

“Me perguntava­m: por que fazer algo tão popular sobre um tema tão difícil? Estava pensando justamente nesse público, que não conhece o contexto desse personagem e que, na próxima vez, quando estiver na frente de uma linha de cocaína, vai pensar em tudo o que aconteceu até que ela chegasse ali”, diz.

O ator acha importante “despertar uma curiosidad­e naqueles que não acham que possa existir uma conexão entre aquilo que se vive em seus países [Europa e Estados Unidos são mercados importante­s para a Netflix] e os países distantes dos seus”, prossegue.

“Creio que isso é interessan­te e acho que é o que torna essa temporada diferente das outras”, conclui. Ele acrescenta que merecem atenção aqueles que defendem que políticas antidrogas devem ser tratadas como questão de saúde pública e não de polícia.

Baseada em fatos reais, a série traz como ponto culminante na ascensão da violência o assassinat­o do agente antidrogas Enrique “Kiki” Camarena em 1985 —ele foi torturado por 30 horas pelos capangas de Gallardo. Além de ossos quebrados, o policial teve o crânio perfurado por uma broca. Na série, ele é interpreta­do por Michael Peña.

Para Luna, a tarefa de combater o crime na América Latina é longa e levá-la adiante requer um retorno a esse período “em que se cimentou” a estrada para a violência “fora de controle” vivida hoje no México. E não apenas lá.

“Que vamos fazer para nos respeitar em um país onde a confrontaç­ão pode se tornar corriqueir­a?” Diego Luna

Museu

México, 2018. Direção: Alonso Ruizpalaci­os. Elenco: Gael Garcia Bernal, Simon Russell Beale, Lynn Gilmartin. Classifica­ção indicativa: 12 anos. Estreia nesta quinta (25). Gael García Bernal, estrela de metade dos filmes do cinema contemporâ­neo mexicano, nunca esteve tão bem como em “Museu”. Revelado em “E Sua Mãe Também”, de Alfonso Cuarón, esse ator miúdo, parece sempre deslocado como galã, e raramente convence em outro tipo. Talvez por isso dê a impressão de que escolhe muito mal seus papéis.

Em “Museu”, seu personagem, Juan, um jovem empregado do Museu Nacional de Antropolog­ia da Cidade do México, é tolo e sem noção. Chamado por todos de baixinho e, mais importante, filmado mesmo como se fosse um João Ninguém.

De tanto fotografar peças milenares, pré-hispânicas (ou mesoameric­anas, como ele sempre corrige) de valor incalculáv­el, acaba tendo a ideia de roubar algumas delas na noite de natal, quando o museu se prepara para entrar em reforma. Para a ação, convida seu melhor amigo, Benjamin Wilson (Leonardo Ortizgris), jovem infantiliz­ado que cuida do pai enfermo e tem sérios problemas de aceitação.

Ambos moram numa cidade vizinha da capital mexicana, a Ciudad Satélite. Roubar as peças do museu, para eles, equivale à conquista do mundo, e só seria exagero comparar esses dois patetas à dupla Pinky e Cérebro, da famosa animação televisiva, porque aqui teríamos dois Pinkys e nenhum Cérebro.

Após o roubo, que surpreende­ntemente é bem sucedido, começa a segunda parte do filme: um road movie em que os ladrões procuram um improvável comprador para peças tão raras.

Entre o suavemente cômico e o farsesco, “Museu” explora bem os pequenos conflitos familiares de Juan. A vida em sua casa de classe média suburbana é deliciosam­ente captada por Alonso Ruizpalaci­os. O diretor acerta no tom, o que é raro em filmes comerciais recentes, e faz com que torçamos o tempo todo por esses desengonça­dos criminosos.

Fortalecer a empatia com os criminosos é uma operação constante no subgênero de assalto, e aqui é facilitada pela ingenuidad­e dessa dupla de adoráveis abilolados, e por uma delicadeza rara na construção de seus personagen­s.

Graças à sensibilid­ade de Ruizpalaci­os, do roteiro engenhoso que escreveu com Manuel Alcalá e de um Bernal inspiradís­simo, “Museu” se revela muito mais interessan­te do que se esperava.

O filme ganhou o Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim 2018. Poucas premiações recentes foram tão justas como essa.

Narcos: México

Disponível na Netflix a partir de 16/11 As primeiras três temporadas de “Narcos” se passaram na Colômbia, país de Pablo Escobar, o traficante internacio­nal mais famoso do mundo. Escobar foi o criador do primeiro cartel, o de Medelin, ficou bilionário no processo e teve uma vida espalhafat­osa.

Eleé o protagonis­ta das duas primeiras levas de episódios, que seguem seus passos desde que era um ladrão comum até virar o bandido mais procurado do planeta e ser morto numa perseguiçã­o policial.

A terceira temporada, a mais fraca, mostra como o cartel de Cali, outra cidade colombiana, se ergue depois da destruição do cartel de Medelin.

Os dez novos episódios, mais atuais, tratam da formação do cartel de Guadalajar­a e de como o México dominou as rotas de entrada da cocaína para os Estados Unidos.

A estrutura é parecida com a da primeira temporada. Estranhame­nte, o mesmo policial americano, Steve Murphy, explica em off os eventos. Só que ele não está em cena, pelo menos nos cinco primeiros episódios disponibil­izados pela Netflix para a reportagem, o que faz com que a narração fique um tanto sem sentido.

A série também se serve da mesma maneira de contar a história. De um lado, um agente americano de raízes mexicanas incorruptí­vel, Kiki Camarena (Michael Peña), transferid­o para Guadalajar­a contra a sua vontade. De outro, o traficante Félix Gallardo (Diego Luna), que começa a se tornar importante quando se junta a Rafa Quintero (Tenoch Huerta), o criador da maconha sem semente, a sinsemilla, mais forte que a original.

O problema da nova maconha é que ela é fruto apenas dos arbustos fêmeas, e precisa ser plantada longe dos machos, ou acaba sendo polinizada e volta a ter tanto as sementes quanto a potência diminuída. Para garantir que sua erva mantenha a qualidade, Rafa sugere a Félix que faça sua plantação no deserto, longe de qualquer outra.

O plano dá certo e Félix resolve juntar toda a concorrênc­ia, tornando-se chefe de todos os traficante­s que costumavam brigar entre si. Enquanto isso, Kiki Camarena sofre com um sistema corrupto, em que os policiais trabalham para os traficante­s.

A cocaína entra bem mais tarde, quando Félix já é um traficante milionário e percebe a enormidade do negócio em que não está metido, interessan­do-se na hora por ele.

O drama e o suspense do tráfico já deram origem a grandes personagen­s, reais e fictícios, como Walter White, de “Breaking Bad”, e Tony Montana, de “Scarface”. Félix Gallardo de Diego Luna não vai ser memorável como esses, assim como não foi em vida tão conhecido como Pablo Escobar. De perfil mais discreto, o resultado de uma história com ele como protagonis­ta é também mais sem graça.

O mesmo acontece com o policial que o persegue. Ao contrário dos mal comportado­s Steve Murphy e Javier Peña , da perseguiçã­o a Escobar, Kiki Camarena é um policial pacato, mais família, menos cheio de conflitos. Ainda que a guerra das drogas no México seja a mais sangrenta até hoje, o jogo de gato e rato desta temporada é o menos intenso.

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Fotos Divulgação O ator Gael García Bernalem cena do filme ‘Museu’
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Diego Luna em cena de ‘Narcos’, da Netflix
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O ator Gael García Bernal em cena de ‘Museu’

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