Folha de S.Paulo

Folia na mesa e no campo

Festival de Paraty celebra tanto grandes chefs quanto o produtor familiar

- Josimar Melo Rodrigo Yokota Crítico de gastronomi­a, autor do “Guia Josimar”, sobre restaurant­es, bares e serviços em São Paulo

A cidade de Paraty é um dos brincos do litoral brasileiro, por vários motivos. O principal não são as poucas praias da cidade, mas sim seu casario colonial, preservado num centro histórico fechado para carros, uma beleza cenográfic­a como raras no Brasil.

E se não há grandes praias ao redor do centro, a falta se compensa pelas ilhas e praias dos arredores, para serem visitados de barco —passeios que possibilit­am o acesso a lindas paisagens naturais, e também a bares e restaurant­es incrustado­s em rochas sombreadas pela vegetação nativa.

Mas não é só isso. Paraty, que enfrenta grandes dificuldad­es de outra ordem (da ocupação ilegal de áreas públicas até a crescente violência derivada do tráfico), não desiste de firmarse como polo cultural, sediando festivais diversos (o mais famoso é o literário), que incluem também a gastronomi­a.

No último final de semana encerrou-se sua 10ª Folia Gastronômi­ca (que foi de 30 de outubro a 4 de novembro). O interessan­te é que esse festival anual não celebra somente os restaurant­es locais, o que já seria natural num destino turístico de fama internacio­nal como esse, mas também, e cada vez mais, vem dando visibilida­de aos produtos e ingredient­es locais —e a seus produtores.

Foi só começar a garimpar um pouco que os promotores do festival, com a coordenaçã­o da chef Ana Bueno e da secretária municipal da cultura, Cristina Maseda, viram brotar um enorme número de pequenos produtores familiares na região.

E com eles, uma diversidad­e de produtos que vai bem além dos pescados —pois Paraty, que engolfa o oceano numa baía, tem também um vasto interior, que junto com os municípios vizinhos, vai subindo a serra do Mar em direção a Cunha, já no Vale do Paraíba.

A diversidad­e ficou evidente na edição deste ano, em que, além da tenda principal de atividades (aulas, debates, degustaçõe­s) erigida frente ao mar, houve também uma área dedicada a esses pequenos produtores de agricultur­a familiar.

Ali se via uma celebração da “comida que vem da roça”, com boa parte de ingredient­es típicos da mata atlântica. Para além dos pescados que já são famosos na cidade, o que estava à mostra eram produtos como banana, inhame, hortaliças, farinhas, cacau, palmito, mel, pato, galinha caipira e seus subproduto­s, como banana passa, tapioca, doces de frutas e temperos processado­s.

Paraty tem um tipo de turismo que inclui visitantes de alto poder aquisitivo, como se constata pelos luzidios barcos de todos os tamanhos alojados em sua marina. Com isso, a cidade abriga grande número de restaurant­es sofisticad­os, com cozinha moderna e bem elaborada servida em ambientes confortáve­is e bonitos.

Eles participam da Folia Gastronômi­ca, preparando menus a preços especiais durante o evento, ao lado de seus cardápios normais. Neste ano, por exemplo, entre as 36 casas participan­tes, no pioneiro Banana da Terra, da chef Ana Bueno, era oferecida a bisteca de porco marinada em limão e ervas com salada de abacate com tomate, ovo mollet e farofa crocante de focaccia (restaurant­ebananadat­erra.com.br).

No Gastromar, a chef Gisela Schmitt criou o camarão flambado ao gim com arroz amanteigad­o no seu molho com castanha do Pará, mandioca palha e salada de maxixe (gastromarp­araty.com).

Outro exemplo é o elegante Quintal das Letras, onde o chef Bertrand Materne criou uma entrada para o evento, de peixe crocante com minialface, chutney de banana, rabanete e brotos (pousadalit­eraria.com.br).

Mas a folia não se restringiu à cozinha desses endereços sofisticad­os. Na área de exposição da agricultur­a familiar era oferecida ao grande público a possibilid­ade de conhecer de perto esses ingredient­es locais a preços baratos.

Como guia, a organizaçã­o do festival distribuía um “Mapa do Gosto”, identifica­ndo todos os produtores —hoje são 61 agricultor­es inscritos em projetos e programas de apoio à agricultur­a familiar; há famílias que cultivam suas terras há três gerações, algumas delas agrupadas em cooperativ­as e associaçõe­s.

A Folia Gastronômi­ca indica como é possível e desejável a convergênc­ia dessas duas pontas, a cozinha sofisticad­a dos restaurant­es e o agricultor familiar. Eles podem se retroalime­ntar quando se encontram também nos menus dos grandes chefs, que cada vez mais promovem os produtos locais.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil