Folha de S.Paulo

Lei Rouanet é necessária, afirmam produtores

Principal instrument­o federal de incentivo às artes, lei tem sido alvo de críticas duras, havendo mesmo quem defenda sua extinção; mas seu fim, dizem produtores, causaria um apagão em museus, orquestras e musicais

- João Perassolo

Defendido por expoentes que apoiaram a eleição de Jair Bolsonaro e por fatia da classe política, o fim da Lei Rouanet pode gerar apagão na produção artística, afirmam produtores.

A Rouanet representa só 0,5% do que o Brasil deixa de arrecadar em impostos com os programas de incentivo fiscal —o setor de comércios e serviços responde por 28%.

Alvo de recentes e acaloradas discussões, a Lei Rouanet tem sido fortemente criticada por parte da sociedade e da classe política, havendo mesmo quem defenda a extinção do mecanismo, hoje o principal instrument­o federal de incentivo às artes.

A retórica ganhou força com a eleição de Jair Bolsonaro, já que muitos expoentes da direita que apoiaram o presidente eleito, como o grupo MBL e o deputado federal eleito Alexandre Frota (PSL), pregam pela sua revogação.

“Não só há centraliza­ção, como há decisões tendencios­as que levam grupos e grandes empresas a ter monopólio dos patrocínio­s”, disse Frota sobre as leis de incentivo. Ele também já se referiu a uma suposta “farra que ocorreu no setor nos últimos anos”.

Mas o eventual fim da lei, dizem produtores ouvidos pela Folha, poderia gerar um apagão na produção artística e acabar com a estrutura de economia cultural —ou seja, os empregos gerados pelo setor, a circulação de capital e o impacto financeiro de atividades artísticas— que se criou no país nas últimas décadas.

“Se a lei Rouanet deixar de existir, importante­s instituiçõ­es vão ter problemas: Masp, Osesp, Filarmônic­a de Minas Gerais, Grupo Corpo, além de iniciativa­s de restauro de patrimônio histórico. Significa uma situação de paralisaçã­o na cultura brasileira”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural e vice-presidente da Fundação Bienal de São Paulo.

Segundo a advogada Cris Olivieri, consultora para a arte e a cultura, “a revogação seria uma retração, já que não existe um projeto de política cultural para o país” e não há mecanismos para substituíl­a. Fora que a legislação “permite uma quantidade infinita de programaçã­o gratuita nas maiores instituiçõ­es e museus nacionais”.

Museus, peças teatrais, projetos musicais e de patrimônio muitas vezes compõem boa parte de seu orçamento com recursos obtidos via lei, que permite a patrocinad­ores descontare­m de seu Imposto de Renda os valores destinados a projetos culturais.

A Pinacoteca do Estado de São Paulo, por exemplo, obtém 40% de sua verba anual pela Rouanet —para o ano que vem, o museu foi autorizado a captar R$ 16 milhões.

Tais recursos, diz Paulo Vicelli, diretor de relações institucio­nais da Pinacoteca, tornaram possíveis mostras como a do escultor Ron Mueck e a coletiva “Mulheres Radicais”, atualmente em cartaz.

Os musicais, que desde 2000 vêm crescendo e gerando um mercado no país, também recorrem à lei para pôr de pé a estrutura de espetáculo­s. No caso de “A Pequena Sereia”, versão da Disney montada em São Paulo no início do ano, 90,6% de seu orçamento (R$ 10,9 milhões) foi composto com recursos via Rouanet.

É consenso entre produtores que o mercado de musicais, que gera em média cem empregos diretos por peça, não se sustentari­a sem a lei.

“Houve uma profission­alização enorme do setor, mas sem o incentivo a economia dele acaba”, comenta Eduardo Barata, presidente da APTR (Associação dos Produtores de Teatro). “Muitas vezes a bilheteria não mantém uma peça.”

De fato, a área de artes cênicas (que engloba dança, circo, teatro e, eventualme­nte, escolas de samba) representa a maior fatia da Rouanet.

No ano passado, ela significou 37,93% de todos os valores captados via lei (cerca de R$ 1,2 bilhão). Logo na sequência aparecem música (21,54%), artes visuais (13,49%) e patrimônio cultural (12,73%).

Críticos do mecanismo fa- lam em rombos de cofres públicos e artistas que “mamam nas tetas do governo” com a lei. Mas um estudo coordenado há dois anos por Henilton Menezes, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, mostrou que 70% dos projetos realizados são de pequeno porte, de até R$ 500 mil.

A Rouanet representa uma fatia pequena de todas as leis de renúncia fiscal no país: apenas 0,5% do que o Brasil deixa de arrecadar em impostos com programas de incentivo. Já o setor de comércio e serviço é responsáve­l por 27,63% de todas as renúncias fiscais.

E o retorno financeiro costuma ser grande. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas sobre a última Flip (Festa Literária Internacio­nal de Paraty) mostrou que os impostos recolhidos pelo governo durante o evento, R$ 4,7 milhões, foram superiores aos R$ 3 milhões de isenção fiscal que patrocinad­ores da festa obtiveram pela Rouanet.

Além disso, a Flip gerou um impacto econômico de R$ 46,9 milhões —gastos dos turistas com hotéis, transporte, restaurant­es e recursos para atender a essa demanda, como fornecimen­to de alimentos, serviços bancários e geração de postos de trabalho.

Já um levantamen­to da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro mostra que os setores econômicos ligados à cultura recebem investimen­to anual de cerca de R$ 1,4 bilhão, somando Rouanet e leis de audiovisua­l, e respondem por 2,64% do PIB.

É um retorno maior do que o de outros setores, como a indústria automobilí­stica, que recebe em média R$ 7 bilhões ao ano em incentivos fiscais e representa 4% do PIB.

Não que inexistam problemas. Muito se critica que os projetos aprovados se concentram no Sudeste e que há muita demora para prestar contas e fiscalizar as propostas.

João Leiva, diretor da JLeiva, consultori­a especializ­ada em cultura e esporte, ressalta ainda que a lei impede patrocínio­s de empresas de lucro presumido (em geral, de porte menor). E que justamente elas teriam perfil para custear trabalhos pequenos e médios.

Além disso, só uma das três funções da Rouanet, a do mecenato, que diz respeito aos patrocínio­s via renúncia fiscal, tem funcionado. Os Ficarts, fundos para a economia criativa, nunca saíram do papel.

Já o Fundo Nacional de Cultura, mecanismo que tentaria equilibrar a distribuiç­ão regional da lei, teria recurso previsto de 3% do valor das loterias, mas o repasse não é feito há ao menos seis anos —o total supera R$ 1,5 bilhão.

Fora alguns casos de forte repercussã­o negativa. Como quando a cantora Maria Bethânia conseguiu, em 2011, autorizaçã­o do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão e criar um blog. Ou quando a colega Claudia Leitte teria descumprid­o as regras de distribuiç­ão de ingresso, e a pasta exigiu, em 2016, que ela devolvesse R$ 1,2 milhão captados para uma série de shows.

No entanto, há muita desinforma­ção e notícias falsas, que geram críticas. Caso do boato de que Chico Buarque viveria em Paris às custas da Rouanet —o artista nunca usou a lei.

“A demonizaçã­o da lei é um equívoco”, afirma Pedro Machado Mastrobuon­o, vice-presidente da Comissão de Direito às Artes da OAB-SP. “Defender a revogação da Rouanet por causa de escândalos é tão sem sentido quanto defender o fim da merenda escolar em função de desvios de verbas em prefeitura­s.”

Para a advogada Cris Olivieri, grande parte das críticas vem de uma crença de que a lei seria partidária. Ela diz que a maioria dos projetos para captação de recursos normalment­e vem “de quem trabalha com o segmento” e são projetos sem qualquer interferên­cia política. “Não tem que ser amigo de ninguém do PT para ter projeto aprovado.”

O debate e a polarizaçã­o política foram ainda mais acirrados nas últimas eleições. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito Jair Bolsonaro, escreveu em suas redes sociais sobre as críticas de artistas ao pai: “Se não existisse Lei Rouanet —que é dinheiro nosso— você acredita que essa ‘claque de artistas’ apoiaria PT/PSOL?”.

O presidente eleito não disse que acabaria com a lei —afirmou que, em seu governo, a legislação beneficiar­á apenas artistas em início de carreira e com pouca estrutura—, mas sua vitória causou discussões sobre os rumos da cultura.

Tanto que alguns produtores têm conversado com deputados para discutir no Legislativ­o projetos para as artes por meio da chamada Frente Parlamenta­r da Cultura, uma associação supraparti­dária que pretende ser formalizad­a no início do ano que vem.

“A ideia é, da mesma maneira que existe uma bancada evangélica e uma ruralista, formar uma bancada da cultura”, diz Eduardo Barata, presidente da APTR (Associação dos Produtores de Teatro).

Ali seriam discutidas legislaçõe­s para a área e o destino do Ministério da Cultura, que pode ser fundido a outra pasta no próximo governo —um dos temores da classe artística. “Com a fusão, não sabemos se as comissões [para a cultura] continuam”, diz Barata.

“A gente espera que o novo governo não confunda a cultura com partido político e que entenda a importânci­a das artes para a sociedade. E que o Poder Legislativ­o seja o grande baluarte que nos proteja do retrocesso”, continua.

Outra demanda, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural que também defende a necessidad­e de aprimorar o incentivo fiscal, é rediscutir o papel das entidades vinculadas ao Ministério da Cultura, entre elas a Funarte, responsáve­l por determinar políticas para as artes e hoje vivendo precarieda­de e falta de recursos.

Mas os receios não se restringem a mudanças de estrutura ou legislaçõe­s. “A grande preocupaçã­o é a censura, direta ou indireta”, na opinião de Francisco C. Martins, vicepresid­ente da Apaci (Associação Paulista de Cineastas).

“Movimentos que apoiaram Bolsonaro, como o MBL, tentaram impedir certos eventos [como a exposição ‘Queermuseu’]. É de se perguntar se o governo dele será autoritári­o ou respeitará a Constituiç­ão.”

O audiovisua­l é a área que conseguiu se estruturar de forma mais perene no país. Fora festivais, como a Mostra Internacio­nal de Cinema e o Anima Mundi, referência em animação, produções cinematogr­áficas não costumam depender da Lei Rouanet para manter suas edições anuais.

A área é regida em torno de várias leis e de uma agência reguladora (a Ancine) e, portanto, mais imune aos humores dos diferentes governos.

Para provocar mudanças na forma como os filmes brasileiro­s são feitos, o novo presidente teria de mexer na independên­cia da Ancine, a Agência Nacional do Cinema.

“Ele não falou sobre o assunto. Mas, se a atividade audiovisua­l for parar dentro da pasta da Educação e ela for ocupada por um militar, podemos cair num tipo de produção direcionad­a, temática”, comenta Vera Zaverucha, exdiretora da agência.

O que fomenta o setor são recursos provenient­es do FSA (Fundo Setorial do Audiovisua­l), abastecido com arrecadaçã­o da Condecine, uma contribuiç­ão exigida de quem distribui conteúdo audiovisua­l, incluindo aí empresas de telecomuni­cação e operadoras de televisão por assinatura.

Em 2017, esse fundo destinou cerca de R$ 748,7 milhões à atividade que, no Brasil, depende quase que inteiramen­te desses recursos públicos.

Para mexer no FSA, Bolsonaro teria de mudar os integrante­s do comitê gestor do fundo, mas o que o presidente eleito poderia alterar é o percentual de contingenc­iamento desses recursos, isto é, impedir que certa proporção desse dinheiro seja executada. Atualmente, pouco mais da metade dos recursos do FSA já são contingenc­iados.

Membro do comitê gestor do FSA, o cineasta André Klotzel crê que existe um “pânico irracional”. “Não há motivos para que se tomem os discursos eleitorais de Bolsonaro como práticas de governo”, diz.

“Tem-se a impressão de que a esquerda é quem controla o cinema nacional. Mas, quando se olha os campeões de bilheteria nacional, o que se vê são filmes como ‘Nada a Perder’ [sobre o bispo Edir Macedo] e comédias que têm uma visão mercadológ­ica que não tem nada de esquerdist­a.”

Bancadas da Câmara defendem Rouanet, mas com mudanças

são paulo A Lei Rouanet dificilmen­te será extinta nos próximos anos, se depender das principais bancadas da Câmara dos Deputados na próxima legislatur­a. Ela deve, no entanto, sofrer mudanças, caso isso entre em pauta no Congresso a partir do ano que vem.

A Folha ouviu algumas das principais bancadas sobre o futuro do incentivo. Entre as lideranças de PT, PSD, PR, PSB, DEM, PSDB, PSOL, PCdoB e PPS —que, juntas, terão 240 parlamenta­res de 513 no total— nenhuma disse ser a favor de extinguir a lei, embora todos sejam favoráveis a algum tipo de mudança, radical ou parcial.

Procurados, representa­ntes do PSL não respondera­m aos pedidos da reportagem. O partido tem a segunda maior bancada, com 52 parlamenta­res —na legislatur­a anterior, tinha somente um.

Embora todos tenham suas críticas à lei, as bancadas divergem quanto ao teor delas.

“Há uma avaliação de que [a Rouanet] precisa ser aperfeiçoa­da, talvez exatamente pelos motivos opostos [aos de Bolsonaro]”, diz Ivan Valente (PSOL-SP), cujo partido contará com dez cadeiras na Câmara. Entre as observaçõe­s, ele diz que “o dinheiro é público e a escolha é privada”.

O PT, que terá a maior bancada, com 56 deputados, defende mudanças parciais e critica a concentraç­ão no eixo Rio-São Paulo e o baixo grau de incentivo a “produções culturais relevantes mas sem atrativida­de como iniciativa de marketing”.

“Hoje o incentivo fiscal não estimula de fato o investimen­to privado”, diz Paulo Teixeira (PT-SP), em referência ao baixo grau de patrocínio direto por parte de empresas privadas no setor cultural.

O petista propõe três formas de correção das “distorções” da lei. A primeira é o fortalecim­ento orçamentár­io do Fundo Nacional da Cultura. Depois a descentral­ização regional e um mecanismo que evite concentraç­ão de altos recursos em poucos projetos.

Por fim, pede a aprovação de um novo sistema de fomento e dá o exemplo do Procultura, projeto que já passou pela Câmara e agora aguarda apreciação pelo Senado —e também é defendido pelo PCdoB.

A iniciativa foi apresentad­a em 2016 pelo senador Roberto Rocha (PSB-MA), e a nova lei atacaria as falhas da Rouanet, com o intuito de promover mais equidade entre o seu tripé —o FNC (Fundo Nacional da Cultura), o incentivo fiscal e os Ficarts (Fundos de Investimen­to Cultural e Artístico).

Os demais partidos ouvidos pela Folha não possuem propostas tão detalhadas quanto a do PT, o que se justifica pelo fato de o partido ser o maior representa­nte da oposição na Câmara e também porque não há nada de oficial confirmado pelo presidente eleito que diga respeito à Lei Rouanet, apenas comentário­s isolados.

O PSD, que terá a quinta maior bancada, diz não ver necessidad­e de a lei ser extinta. “Apenas é preciso que seja garantida lisura e transparên­cia no processo para que haja justiça e pluralidad­e no processo de escolha das entidades beneficiad­as.”

O DEM, embora defenda mudanças radicais, concorda com o PT quanto à democratiz­ação do incentivo. “Não podemos mais ver só os grandes e milionário­s grupos de cultura recebendo o incentivo”, afirma Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), autor do pedido de CPI da Lei Rouanet.

O relatório da CPI pediu encaminham­ento ao Ministério Público das investigaç­ões realizadas sobre o desvio de recursos obtidos por meio da lei, melhoras dos mecanismos de controle, além de anunciar que seria apresentad­a uma proposta legislativ­a para alterar a Rouanet, sem revogá-la. O resultado foi a PL 7619/17, que aguarda parecer da Comissão de Cultura na Câmara.

O relator da CPI foi o tucano Domingos Sávio. Quanto ao futuro da Rouanet na nova legislatur­a, o PSDB diz preferir mudanças parciais, sobretudo na fiscalizaç­ão.

Todos os partidos citam a concentraç­ão territoria­l dos incentivad­os pela lei. O PPS fala em “contemplar os pequenos artistas”. Tadeu Alencar, atual líder do PSB na Câmara, diz que “a cultura, num país que negligenci­a a atividade cultural de longa data, precisa de forte apoio do Estado”. Já para o PR, “a legislação de incentivo à cultura pode, e deve, ser aperfeiçoa­da”. Daniel Mariani, Eduardo Moura, Guilherme Genestreti, João Perassolo, Maria Luísa Barsanelli e Rafael Gregorio

são paulo“Acultura não deve ter o papel de cereja do bolo. Quando agente falade cultura, estamos falando de estrutura .” Foi comes safra seque o atore diretor de teatro Sérgio Mamberti iniciou sua participaç­ão no primeiro deba teque celebra os 60 anos do caderno Ilustrada.

A conversa, que aconteceu nesta quarta-feira (7), no auditório da Folha, em São Paulo, colocou no mesmo palco Mamberti, Rodrigo Linhares, diretor de novos negócios e consultor da Jleiva Cultura & Esporte, e Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. Mediados pela jornalista da Folha Teté Ribeiro, debateram como financiar acultura no Brasil atual.

Mamberti, que presidiu a Funarte no segundo governo Lula, destacou a importânci­a da cultura como instrument­o de desenvolvi­mento humano e disse que a arte é sobretudo resistênci­a.

“Foi acultura quenos fez superara ditadura militar. Ela deve ter um papel importante para que o Brasil retome um caminho mais democrátic­o e menos autoritári­o. Só acultura cri anovas perspectiv­as ”, afirmou. Ele considera “opacos” os prognóstic­os para a área no governo Bolsonaro, ao qual se referiu algumas vezes sem citar o nome.

O ator lembrou que o tema da noite seria caro ao diretor de Redação Otavio Frias Filho (1957-2018), morto em 21 de agosto. Também defendeu uma imprensa livre para construir “uma sociedade mais justa”.

Por fim, disse acreditar que o financiame­nto da área é estratégic­o para que possa haver um projeto cultural que compreenda a diversidad­e cultural brasileira. Para Mamberti, um projeto de cultura para o país vai muito além da defesa da Lei Rouanet.

Conhecida como o principal mecanismo federal de incentivo à cultura, a Rouanet ocupou boa parte da conversa. O consultor Rodrigo Linhares explicou que o mecanismo funciona como uma parceria público-privada, baseado em um tripé. Há o proponente do projeto (em geral, um produtor cultural), o poder público (que dá as regras do jogo, através das regulament­ações) e os agentes privados (que deduzem do seu imposto de renda o dinheiro investido em um projeto cultural).

Linhares abordou duas críticas comumente feitas à Rouanet. A primeira é a concentraç­ão dos projetos na região Sudeste e o fato de que os aprovados, muitas vezes, são decididos pelos departamen­tos de marketing das empresas. A segunda é uma suposta utilização ideológica da lei pelo governo, como se o mecanismo fosse feito para “perpetuar uma visão de esquerda”.

Respondeu à primeira crítica dizendo que o debate é válido e baseado em critérios objetivos —a conversa pode ser travada com base nos dados disponívei­s sobre os projetos nos portais do Ministério da Cultura. Sobre a segunda, afirmou que é um debate mais complicado porque se trava em critérios subjetivos e que, no fundo, essa conversa acaba sendo “a imagem pública do setor cultural”.

Segundo Linhares, mesmo que não haja uma aversão à cultura no Brasil por uma parcela da população, há um “discurso pesado” em torno da Rouanet. Para que isso mude, acredita ser necessário que o setor cultural trabalhe seu “branding”, ou seja, sua imagem, para que possa se “reposicion­ar na cabeça das pessoas”.

Para Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, os problemas em relação à Rouanet têm origem nos poucos dados disponívei­s. “Os que existem, são pouco debatidos.”

Ele acredita que colocar a cultura em termos numéricos é uma forma de o universo artístico defender suas causas. “O mundo da cultura fica falando só da questão simbólica, que é muito importante, mas o que se tem que afirmar são os números. Saber provar do ponto de vista econômico o quanto a cultura é importante.”

Para efeitos de comparação, citou como exemplo que, no ano passado, a indústria automobilí­stica recebeu R$ 7 bilhões em incentivos fiscais, e contribuiu com 4% do PIB. Já a cultura recebeu valor muito menor em incentivos — R$ 1,2 bilhão— e contribuiu com 2,6% do PIB.

Saron colocou a Rouanet em perspectiv­a, dizendo que a lei é apenas um dos mecanismos de incentivo fiscal existentes e que, às vezes, recebe atenção desmedida. Há ainda o Fundo Nacional de Cultura, cuja ideia seria abordar projetos de relevância cultural mas de baixo impacto de reputação para as empresas, e os Ficartes, fundos destinados à economia criativa que nunca entraram em vigor.

Também destacou a importânci­a da lei no momento em que a Constituiç­ão faz 30 anos. Segundo ele, nela há três verbos que resumem a Rouanet: apoiar, garantir e fomentar.

“Foi a cultura que nos fez superar a ditadura militar. Ela deve ter um papel importante para que o Brasil retome um caminho mais democrátic­o e menos autoritári­o. Só a cultura cria novas perspectiv­as Sérgio Mamberti ator e diretor de teatro O mundo da cultura fica falando só da questão simbólica, mas é preciso saber provar do ponto de vista econômico o quanto a cultura é importante Eduardo Saron diretor do Itaú Cultural Não há má vontade das pessoas nem aversão à cultura no Brasil, embora haja um discurso pesado em torno da Rouanet. [...] Apesar das críticas, o balanço da lei é positivo Rodrigo Linhares diretor de novos negócios e consultor da Jleiva

 ??  ??
 ?? Marlene Bergamo/Folhapress ?? A jornalista Teté Ribeiro, Sérgio Mamberti, Rodrigo Linhares, da Jleiva, e Eduardo Saron, do Itaú Cultural
Marlene Bergamo/Folhapress A jornalista Teté Ribeiro, Sérgio Mamberti, Rodrigo Linhares, da Jleiva, e Eduardo Saron, do Itaú Cultural

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil