Folha de S.Paulo

Viagem ao século 13

- Ruy Castro

rio de janeiro Antes das eleições, pessoas me falaram de seu temor. Se desse Fernando Haddad, iríamos nos tornar uma grande Venezuela. Se desse Bolsonaro, iríamos direto para o século 13, com toda a fama de atraso medieval deste século. A primeira hipótese passou longe —ao contrário, a Venezuela é que ameaça se mudar para o Brasil. Já a do século 13, por algumas declaraçõe­s do presidente eleito, ainda não foi afastada. Sabendo disso, resolvi dar um pulo até o dito século para ver como eram as coisas.

Foi nele que os algarismos arábicos chegaram à Europa, facilitand­o que se escrevesse, por exemplo, 2018 —até então, era MMXVIII. Foi ainda no século 13 (ou XIII, para os resistente­s aos arábicos) que os venezianos aperfeiçoa­ram os óculos, embora só para leitura —os míopes, como eu, tiveram de esperar 200 anos para enxergar direito. E foi também quando apareceram nas igrejas europeias os primeiros relógios mecânicos, que funcionava­m sem ajuda externa como o sol ou a água — ótimo, mas, com isso, o mercado de ampulhetas entrou numa crise da qual nunca se recuperou.

O século 13 viu em Londres a assinatura, pelo rei João, da Carta Magna, que limitou o poder do soberano e reconheceu os direitos dos cidadãos. O rei não fez isto porque era bonzinho, mas porque foi forçado por seus barões. O artigo 39 da Carta Magna instituiu o julgamento com júri, até hoje a base das melhores democracia­s. Apesar disso, o rei João não teve boa vida —foi no seu reinado que surgiu Robin Hood, o arqueiro que roubava dos ricos para dar aos pobres e, 700 anos depois, consagrari­a Errol Flynn.

E em qual século viveram São Francisco de Assis, Santo Tomás de Aquino, Dante e Marco Polo? No 13. Donde de onde saiu essa fama de século das trevas?

Talvez do fato de ter sido também o século em que viveu Gengis Khan e se inventaram a mina explosiva, o canhão e o hospício.

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