Preferi pagar o preço alto da derrota a me omitir, diz Marina
Líder da Rede afirma que resultado tirou dela a cobrança de ser candidata de novo
Marina Silva (Rede) recebeu a Folha pouco depois de uma reunião com Ciro Gomes (PDT), seu adversário no primeiro turno da eleição presidencial. O tema da conversa: Jair Bolsonaro (PSL) e o governo que se inicia em janeiro.
A ex-senadora e o ex-ministro derrotados pelo deputado federal falaram na quarta-feira (7) sobre a articulação de um bloco de oposição ao futuro presidente sem a participação do PT.
Refletindo sobre sua terceira campanha presidencial consecutiva, Marina disse que a derrota —teve 1% dos votos e amargou o oitavo lugar— tirou dela o peso das cobranças para ser candidata novamente. “Eu preferi correr o risco de sair e pagar o preço por isso a ter me omitido para ficar com a imagem de 22 milhões de votos”, afirmou.
O que aconteceu com a campanha da sra.? Foi uma campanha num cenário extremamente polarizado, e a sociedade tinha muitas alternativas. Houve uma escolha pelos extremos, e eu nunca me coloquei nesse lugar. Talvez, de todas as candidaturas, a minha era a que buscava ser um polo de mediação.
As causas da derrota seriam uma soma do clima de polarização, da falta de estrutura da Rede e de críticas plantadas contra a sra. em 2014? Tem muitos elementos. Não quero ter uma visão reducionista. É significativo [sair] de 22 milhões de votos para 1 milhão de votos. Agora, eu sou como Jó: Deus dá, Deus tira, louvado seja Deus. Sempre tive um discurso de que ninguém é dono de voto. O voto é do cidadão, do eleitor. Ele dá num determinado momento e recolhe em outro e direciona para quem ele acha que deve dar.
A sra. falou no lançamento da candidatura que seria uma campanha “em situação bem mais difícil” do que nas duas vezes anteriores. Já previa esses problemas? Sim, todas as dificuldades, de estrutura, da postura, do discurso. A demanda era por algo na lógica de uma polarização extrema, tóxica. Eu tinha muita consciência das dificuldades.
Por que então manteve a ideia de sair candidata? Por coerência. No momento em que mais se precisava de algo que no meu entendimento ajudaria a promover a união, a estabelecer um novo parâmetro para a governança do Brasil, eu não iria sair? Eu preferi correr o risco de sair e pagar o preço por isso a ter me omitido para ficar com a imagem de 22 milhões de votos. Se já é feio especular com dinheiro, imagine especular com credibilidade política.
Que razões a sra. crê que levaram a uma alta na rejeição ao seu nome nas pesquisas? Não sei, não tenho os elementos agora para fazer análise, e talvez os especialistas consigam fazer melhor isso. Mas, intuitivamente falando, você tinha dois grandes blocos que foram para o segundo turno, e os dois bombardeavam exatamente o seu oposto. E é um processo que não é de agora, vem de 2014. Não foi cessado mesmo no intervalo de quatro anos, inclusive com toda a lógica de que eu havia sumido. Eu estava o tempo todo na cena política brasileira, mas não com o discurso da polarização.
Pretende disputar outras eleições? Eu dei uma contribuição em três eleições e estou com 60 anos de idade. Eu não me sentiria bem se não tivesse feito o que fiz agora. Muita gente me aconselhou a não ser [candidata] porque era bom que eu preservasse o, entre aspas, capital político.
Agora eu estou plena para contribuir com a política sem essa cobrança que de alguma forma tinha sobre mim, e talvez eu mesma [me colocasse], por causa desses bônus eleitorais que ficaram de 2010 e de 2014. Acho que os eleitores brasileiros me deram neste ano, digamos, essa leveza de poder ter um tempo muito longo para decidir qual é a natureza da minha contribuição daqui para a frente. De certa forma, me desincompatibilizaram do peso de ter que ficar manejando esses resultados.
E candidatura para outros cargos? Não tenho nenhuma avaliação sobre isso. A única coisa que eu sei é que o momento pede uma ação política menos tóxica por parte das lideranças, que a gente possa se encontrar com a sociedade.
Acha que Bolsonaro pode, de fato, representar um risco para as instituições democráticas, com possibilidade de volta do autoritarismo? Os 30 anos de Constituição cidadã criaram no Brasil uma argamassa que refuta qualquer coisa dessa natureza. Temos é que evitar toda e qualquer desqualificação da democracia, que não se dá apenas por golpes, mas também por erosão dos processos, da transparência, dos direitos já conquis- tados. Aliás, a defesa da Constituição não pode ser seletiva. Na mesma Constituição que tem a defesa do Estado brasileiro tem também a defesa dos cidadãos.
A Rede conversa com PV e PPS sobre eventual união. Como estão os processos? As direções partidárias estão dialogando. O PPS já vem num processo de refundação, de incorporar movimentos, e nos procurou para dizer que está aberto a essa possibilidade. Mas são conversas iniciais. Seguimos dialogando também com o PV, com Eduardo Jorge [que foi vice dela] eu falo sempre. A Rede fará um congresso para tomar qualquer decisão.
A Rede vai acabar? No momento não é possível fazer fusão, porque a lei exige no mínimo cinco anos de registro do partido para isso. Eu não advogo que seja o fim do legado da Rede.