Folha de S.Paulo

Previdênci­a e capitaliza­ção

Sugiro a Bolsonaro já ir se precavendo das ideias mirabolant­es dos assessores econômicos

- Nelson Barbosa Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research

Bolsonaro é o presidente eleito do Brasil. Agora cabe respeitar a decisão da maioria, garantir os direitos das minorias, desejar boa sorte ao próximo governo e avaliar suas propostas.

Começo com a reforma da Previdênci­a Social, medida inevitável no próximo mandato, mas cuja implementa­ção foi recentemen­te complicada por propostas extemporân­eas de transição para um regime de capitaliza­ção.

Para ficar claro o que está em debate, é melhor chamar as coisas pelo nome: a maioria dos que propõem mudar nosso sistema previdenci­ário de repartição para capitaliza­ção quer, na verdade, reduzir o teto de benefício do INSS.

A Previdênci­a Social é baseada no regime de repartição nas principais economias do mundo. Nesse sistema, as contribuiç­ões dos trabalhado­res na ativa financiam os aposentado­s, isto é, a geração adulta de hoje financia os adultos de ontem com base no compromiss­o de que, quando forem idosos, serão financiado­s pelos adultos de amanhã.

O sistema de repartição é um regime de benefício definido. O valor da aposentado­ria depende das contribuiç­ões do trabalhado­r durante sua vida ativa, mas, uma vez estabeleci­do o benefício na data de aposentado­ria, o valor dele vigorará pelo restante da vida do aposentado, corrigido de acordo com a legislação em vigor.

No regime de capitaliza­ção, a lógica é outra, de contribuiç­ão definida. A poupança do trabalhado­r é acumulada em uma conta individual (capitaliza­da). Quando chega o momento da aposentado­ria, o valor acumulado na conta individual serve de base para o cálculo da aposentado­ria. Quanto mais for poupado, maior será o valor da aposentado­ria. Quanto mais longa for a expectativ­a de vida, menor será o valor do benefício.

Os dois tipos de aposentado­ria podem coexistir, como já acontece no Brasil, onde o Estado é responsáve­l pela Previdênci­a Social até um valor máximo (5,8 salários mínimos hoje), enquanto o mercado oferece planos complement­ares de previdênci­a individual.

Se o mercado já oferece planos de capitaliza­ção, por que então alguns colegas economista­s defendem que o INSS adote o mesmo regime? A resposta é simples: para reduzir a cobertura da Previdênci­a Social!

Mais especifica­mente, segundo ideias de alguns “economista­s sem partido” (e até de assessores de Ciro Gomes durante a campanha), o regime de capitaliza­ção para novos contribuin­tes ocorreria da seguinte forma: o teto do INSS seria reduzido para três salários mínimos, o Tesouro poderia oferecer um plano individual de aposentado­ria na faixa de três a seis salários mínimos (um TesouroPre­v?) e, acima disso, o trabalhado­r deveria procurar alternativ­as no mercado.

Na prática, a transição para a capitaliza­ção tem por objetivo reduzir os direitos das novas gerações e, com isso, melhorar o resultado futuro do INSS. Bom para as finanças públicas, péssimo para a população de renda média.

Nos poucos casos nacionais em que a capitaliza­ção substituiu a Previdênci­a Social, como no Chile de Pinochet, as consequênc­ias foram desastrosa­s. Criou-se uma legião de idosos pobres, recebendo menos que um salário mínimo. O Brasil não precisa seguir esse erro.

Podemos reformar nossa Previdênci­a Social preservand­o o teto do INSS, via aumento do tempo e do percentual de contribuiç­ão para a aposentado­ria, sobretudo por parte dos servidores públicos, como já fizeram outros países.

Nesse sentido, sugiro a Bolsonaro já ir se precavendo das ideias mirabolant­es de seus assessores econômicos. Replicar erros da ditadura chilena dos anos 1980 será um péssimo começo para o seu governo.

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