Julia Roberts, Hitchcock e ‘Mr. Robot’ se fundem no suspense ‘Homecoming’
Alfred Hitchcock soltaria um sorriso satisfeito ao assistir “Homecoming”, suspense cuidadosamente cerzido pelo diretor Sam Esmail (“Mr.Robot”) que marca a estreia de Julia Roberts em uma série televisiva no ar pelo Amazon Video.
Ao adaptar para a TV o que nasceu como um elogiado podcast serializado, Esmail, 41, emprestou do diretor britânico (1899-1990) a estética sóbria e o enquadramento obsessivamente preciso; o uso capital da música para conduzir a história e seus sustos e o perene estado de confusão psíquica dos protagonistas.
Porque partiu de um podcast, Esmail também cita como referência “A Conversação” (1974), de Francis Ford Coppola, que revolve em torno de gravações de diálogos.
A história em “Homecoming”, algo como “acolhida” ou “volta para casa”, porém, vagueia por outro universo, um que Esmail visitara em “Mr. Robot”: as peças que a imaginação, a memória, o estresse e a rotina nos pregam.
O thriller, que já garantiu nova temporada, trata de uma unidade de acolhida para veteranos de guerra que precisam se readaptar à sociedade.
Julia Roberts interpreta a terapeuta Heidi, que conduz o processo. Stephan James, que participou do bonito “Selma” (2014), é o militar traumatizado Walter Cruz, pelo qual a terapeuta desenvolve afeto.
Como em “Mr. Robot”, o vilão é uma grande corporação, a Geist, que camufla o que ocorre em seu programa. Aos poucos, percebe-se a que propósito o complexo encravado na Flórida serve.
A cara humana da firma é a do cativante Bobby Cannavale (“Will and Grace” e “Boardwald Empire”), que faz de seu Colin Belfast um quase-maníaco a assombrar a personagem de Roberts com demandas ininterruptas ao telefone.
Ignorando a muleta dos flashbacks, o enredo se desenvolve em dois planos: um em 2018, em que Heidi é terapeuta; outro em um futuro próximo indeterminado, no qual ela vive com a mãe (nada menos que Sissi Spacek) em uma cidadezinha genérica e trabalha como garçonete.
No último, seu passado e o da Geist são investigados pelo burocrata Thomas Carrasco (Shea Whigham, também de “Boardwalk Empire” —o elenco tem ainda Alex Karpovsky, de “Girls”). Os nomes, com Esmail, são sempre sugestivos (como Heidi, nome de origem alemã que em inglês é foneticamente igual ao verbo “to hide”, esconder).
Enquanto alguns diretores e roteiristas espalham suas obsessões por maneirismos, reviravoltas e extravagâncias com maior ou menor sucesso, Esmail sobressai pela sobriedade e elegância com que trata suas neuroses.
Sua preocupação em conduzir a série por meio dos diálogos e da música, para remeter ao formato de podcast, não diminui o apuro estético forjado de um vasto repertório, algo que rareia em um ciclo televisivo no qual todos querem ser gênios a inventar a roda.
Com os corroteiristas Micah Bloomberg e Eli Horowitz (criadores do podcast, disponível no aplicativo da Apple e do Androide), ele quer só contar bem uma história intrigante.