Folha de S.Paulo

Ordem nazista foi de ‘prender, agredir e destruir’ sem saquear

- CVN

A ordem partiu de Munique na noite do dia 9 de novembro de 1938. O ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, havia se reunido com Adolf Hitler. O assassinat­o do diplomata Ernst vom Rath pelo judeu alemão Herschel Grynszpan, 17, em Paris, era o pretexto para o lançamento do “pogrom” que acabou se tornando um sombrio presságio do destino dos judeus na Alemanha.

Um telegrama assinado pelo chefe da segurança nazista, Reinhard Heydrich —um dos principais articulado­res da Solução Final, o extermínio sistemátic­o—, deu as instruções aos líderes do partido e das polícias locais para as manifestaç­ões que se seguiriam:

“Apenas ações que não ameacem vidas e propriedad­es alemãs podem ser realizadas (por exemplo, incêndios de sinagogas quando não houver ameaça de fogo nos arredores)”, escreveu no telegrama, com o assunto “Medidas contra os judeus hoje” e carimbo de “secreto”.

“Lojas e residência­s de judeus podem ser destruídas mas não saqueadas”, prossegue o texto. “Cuidado especial deve ser tomado em ruas comerciais para que negócios de não judeus sejam completame­nte protegidos de danos.”

“O máximo de judeus, particular­mente judeus afluentes, deve ser preso em todos os distritos o tanto quanto puder ser acomodado nas instalaçõe­s de detenção existentes. Por enquanto, apenas homens saudáveis, de idade não muito avançada, devem ser detidos”, escreve Heydrich.

“Imediatame­nte após as prisões serem realizadas, os campos de concentraç­ão apropriado­s devem ser contatados para que os judeus sejam acomodados o mais rapidament­e possível”, prosseguia.

A chamada Kristallna­cht ou Noite dos Cristais, de 9 para 10 de novembro de 1938, deixou cerca de 100 judeus mortos, mais de mil sinagogas destruídas, milhares de cemitérios, casas e escolas judaicos, vandalizad­os na Alemanha, na Áustria e na região dos Sudetos da Tchecoslov­áquia.

Trinta mil judeus foram detidos, a maioria levada a campos de concentraç­ão como Dachau, Buchenwald e Sachsenhau­sen. Os agressores eram muitas vezes vizinhos ou conhecidos das vítimas.

Foram os próprios nazistas que batizaram o massacre de Noite dos Cristais, devido à imensa quantidade de vidraças de lojas que ficaram pelas calçadas. Com isso, responsabi­lizaram a comunidade judaica alemã pelos prejuízos, impondo uma multa coletiva equivalent­e a US$ 400 milhões (em taxas de 1938, US$ 7,2 bilhões hoje), segundo o Museu do Holocausto.

“A Kristallna­cht foi o ponto de virada na história do Terceiro Reich, marcando a mudança da retórica e da legislação antissemit­a para as medidas antijudaic­as violentas que culminaria­m no Holocausto”, diz o Museu do Holocausto.

Se antes já eram obrigados a portar a Estrela de David, até o fim daquele ano os judeus seriam proibidos de frequentar escolas e a maioria dos lugares públicos, situação que piorou progressiv­amente enquanto o regime implementa­va a Solução Final.

Que as comemoraçõ­es pelos 80 anos da Noite dos Cristais tenham sido precedidas por um ataque antissemit­a a uma sinagoga em Pittsburgh, nos EUA, com saldo de 11 mortos, soou o alarme entre a comunidade judaica pelo mundo.

“Quem teria pensado que, 70 anos depois do Holocausto, alguém nos EUA com uma ideologia nazista e racista entraria numa casa de oração e no meio do culto metralhari­a as pessoas como se fossem moscas”, diz o rabino David Weidman, rabino-chefe na Sinagoga Beit Yaacov da Congregaçã­o e diretor da Instituiçã­o Beneficent­e Israelita Ten Yad.

“É muito importante recordar isso [Kristallna­cht], e mais do que nunca, hoje, porque ainda há pessoas, graças a Deus uma minoria, que tentam minimizar o Holocausto e que zelam pela mesma filosofia de xenofobia, de intolerânc­ia, de racismo”, afirma.

“Esse tipo de comemoraçã­o, de dias trágicos que a humanidade já passou, ajuda a criar um clima de tolerância, paz e harmonia.”

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