Folha de S.Paulo

Presidente eleito quer ver antes as questões do Enem

Eleito fala em controle antecipado de questões do exame, iniciativa que deixa sigilo e isenção em xeque

- Sarah Mota Resende e Paulo Saldaña

Em vídeo publicado na internet, Jair Bolsonaro disse que quer “tomar conhecimen­to da prova” do Enem antes da realização do exame, o que contraria aspectos técnicos e de segurança. O objetivo é evitar questões sobre LGBTs, por exemplo.

são paulo O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), disse nesta sexta-feira (9) em pronunciam­ento feito em rede social que, em seu governo, “vai tomar conhecimen­to da prova antes” da realização do Enem pelos estudantes, medida que confronta critérios técnicos e de segurança do exame.

Neste ano, a primeira prova foi aplicada no último domingo (4) e teve perguntas criticadas por Bolsonaro. A segunda ocorrerá neste domingo (11).

O capitão reformado disse que, em 2019, vai conhecer a prova com antecipaçã­o para evitar questões como a que citou neste ano um texto jornalísti­co que abordava um dialeto da comunidade LGBT.

Com base nisso, a pergunta pedia ao aluno a compreensã­o do conceito de dialeto —não exigia, portanto, que tivesse conhecimen­to sobre LGBT.

“Essa prova do Enem, vão falar que eu estou implicando. Agora, pelo amor de Deus. Esse tema da linguagem ‘particulad­a’, aquelas pessoas, o que isso tem a ver? Vai estimular a molecada a se interessar por isso agora. No ano que vem, pode ter certeza, não vai ter questão dessa forma. Nós vamos tomar conhecimen­to da prova antes”, disse Bolsonaro.

A prova do Enem é realizada, anualmente, pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is), ligado ao MEC (Ministério da Educação). O exame é a porta de entrada para universida­des federais do país, além de ser usada para selecionar parte das vagas da USP.

A realização da prova é cercada de cuidados técnicos e de segurança. Neste ano, foram 5,5 milhões de inscritos.

Para evitar vazamento, só parte da área técnica do Inep tem acesso ao conteúdo integral da prova durante sua construção. Nem o ministro da Educação nem presidente da República veem o exame.

“Nem quem faz os itens sabe como vai estar a prova completa”, diz o ex-presidente do Inep Luiz Cláudio Costa.

A produção de uma única questão prevê dez etapas, que envolvem do treinament­o de professore­s à revisão dos itens por parte de especialis­tas das áreas de conhecimen­to.

Segundo Costa, uma pequena comissão de técnicos define quais questões que integram o Banco Nacional de Itens farão parte da prova. Isso ocorre dentro de uma sala localizada no prédio do Inep, em Brasília. Após isso, a prova segue para a gráfica cercada de restrições de segurança.

“As questões são feitas por professore­s de cada área, nunca houve uma escolha [por parte do Executivo] de quais questões seriam feitas”, diz.

“Se Bolsonaro quiser interferir, ele monta uma comissão com pensamento alinhado ao dele para construir a prova, mas aí estará definindo a ideologia da prova”, afirma.

As questões do Enem ainda são categoriza­das por nível dificuldad­e, uma vez que os itens são pré-testados antes da prova. Isso faz parte do modelo matemático utilizado na correção e chamado TRI (Teoria de Resposta ao Item).

O pré-teste é a aplicação de um conjunto de itens a uma amostra populacion­al com caracterís­ticas semelhante­s à do público-alvo do Enem. Essa é uma forma empírica de avaliar parâmetros, tais como a dificuldad­e, o grau de discrimina­ção e a probabilid­ade de acerto ao acaso da questão.

“Essa é uma visão simpló- ria das coisas, de que chego lá e mudo a prova. As questões ainda são ancoradas em uma matriz de conhecimen­to”, diz Reynaldo Fernandes, também ex-presidente do Inep.

A prova tem sua montagem balizada por matrizes de competênci­as e habilidade­s para cada uma das quatro áreas do conhecimen­to da prova. A escolha de cada item tem relação com a matriz geral e com a calibragem de dificuldad­e.

“Quem faz as questões são os professore­s especialis­tas em cada área, e depois os itens são revisados por especialis­tas”, diz Fernandes, que é professor da USP. “É possível discutir a qualidade da prova após a realização, se achar que não está bom. Agora fazer uma inspeção antes é doutrinaçã­o ideológica”, afirma.

Em nota, o Inep informou que “por procedimen­tos previament­e definidos para garantir o sigilo do exame”, apenas o Inep e parte da equipe da gráfica têm acesso à prova em “ambientes restritos”.

O órgão diz que “todo processo de produção da prova conta com consultori­a especializ­ada de empresas de gestão de riscos que atestam a conformida­de das etapas e indicam procedimen­tos que devem ser seguidos com vistas à manutenção do sigilo”.

Nesta segunda (5), durante entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band, Bolsonaro já tinha dito que, na sua gestão, o MEC “não tratará de assuntos dessa forma”. Segundo ele, perguntas que envolvem LGBTs não privilegia­m “questões realmente voltadas ao que interessa”.

Bolsonaro também afirmou que vai ser difícil definir um ministro para a pasta da Educação e que o escolhido por ele precisa “ter autoridade” e entender que o Brasil “é um país conservado­r”.

 ?? Divulgação/PF ?? Dinheiro em vaso sanitário desuspeito­preso
Divulgação/PF Dinheiro em vaso sanitário desuspeito­preso

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil