Presidente eleito quer ver antes as questões do Enem
Eleito fala em controle antecipado de questões do exame, iniciativa que deixa sigilo e isenção em xeque
Em vídeo publicado na internet, Jair Bolsonaro disse que quer “tomar conhecimento da prova” do Enem antes da realização do exame, o que contraria aspectos técnicos e de segurança. O objetivo é evitar questões sobre LGBTs, por exemplo.
são paulo O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), disse nesta sexta-feira (9) em pronunciamento feito em rede social que, em seu governo, “vai tomar conhecimento da prova antes” da realização do Enem pelos estudantes, medida que confronta critérios técnicos e de segurança do exame.
Neste ano, a primeira prova foi aplicada no último domingo (4) e teve perguntas criticadas por Bolsonaro. A segunda ocorrerá neste domingo (11).
O capitão reformado disse que, em 2019, vai conhecer a prova com antecipação para evitar questões como a que citou neste ano um texto jornalístico que abordava um dialeto da comunidade LGBT.
Com base nisso, a pergunta pedia ao aluno a compreensão do conceito de dialeto —não exigia, portanto, que tivesse conhecimento sobre LGBT.
“Essa prova do Enem, vão falar que eu estou implicando. Agora, pelo amor de Deus. Esse tema da linguagem ‘particulada’, aquelas pessoas, o que isso tem a ver? Vai estimular a molecada a se interessar por isso agora. No ano que vem, pode ter certeza, não vai ter questão dessa forma. Nós vamos tomar conhecimento da prova antes”, disse Bolsonaro.
A prova do Enem é realizada, anualmente, pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), ligado ao MEC (Ministério da Educação). O exame é a porta de entrada para universidades federais do país, além de ser usada para selecionar parte das vagas da USP.
A realização da prova é cercada de cuidados técnicos e de segurança. Neste ano, foram 5,5 milhões de inscritos.
Para evitar vazamento, só parte da área técnica do Inep tem acesso ao conteúdo integral da prova durante sua construção. Nem o ministro da Educação nem presidente da República veem o exame.
“Nem quem faz os itens sabe como vai estar a prova completa”, diz o ex-presidente do Inep Luiz Cláudio Costa.
A produção de uma única questão prevê dez etapas, que envolvem do treinamento de professores à revisão dos itens por parte de especialistas das áreas de conhecimento.
Segundo Costa, uma pequena comissão de técnicos define quais questões que integram o Banco Nacional de Itens farão parte da prova. Isso ocorre dentro de uma sala localizada no prédio do Inep, em Brasília. Após isso, a prova segue para a gráfica cercada de restrições de segurança.
“As questões são feitas por professores de cada área, nunca houve uma escolha [por parte do Executivo] de quais questões seriam feitas”, diz.
“Se Bolsonaro quiser interferir, ele monta uma comissão com pensamento alinhado ao dele para construir a prova, mas aí estará definindo a ideologia da prova”, afirma.
As questões do Enem ainda são categorizadas por nível dificuldade, uma vez que os itens são pré-testados antes da prova. Isso faz parte do modelo matemático utilizado na correção e chamado TRI (Teoria de Resposta ao Item).
O pré-teste é a aplicação de um conjunto de itens a uma amostra populacional com características semelhantes à do público-alvo do Enem. Essa é uma forma empírica de avaliar parâmetros, tais como a dificuldade, o grau de discriminação e a probabilidade de acerto ao acaso da questão.
“Essa é uma visão simpló- ria das coisas, de que chego lá e mudo a prova. As questões ainda são ancoradas em uma matriz de conhecimento”, diz Reynaldo Fernandes, também ex-presidente do Inep.
A prova tem sua montagem balizada por matrizes de competências e habilidades para cada uma das quatro áreas do conhecimento da prova. A escolha de cada item tem relação com a matriz geral e com a calibragem de dificuldade.
“Quem faz as questões são os professores especialistas em cada área, e depois os itens são revisados por especialistas”, diz Fernandes, que é professor da USP. “É possível discutir a qualidade da prova após a realização, se achar que não está bom. Agora fazer uma inspeção antes é doutrinação ideológica”, afirma.
Em nota, o Inep informou que “por procedimentos previamente definidos para garantir o sigilo do exame”, apenas o Inep e parte da equipe da gráfica têm acesso à prova em “ambientes restritos”.
O órgão diz que “todo processo de produção da prova conta com consultoria especializada de empresas de gestão de riscos que atestam a conformidade das etapas e indicam procedimentos que devem ser seguidos com vistas à manutenção do sigilo”.
Nesta segunda (5), durante entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band, Bolsonaro já tinha dito que, na sua gestão, o MEC “não tratará de assuntos dessa forma”. Segundo ele, perguntas que envolvem LGBTs não privilegiam “questões realmente voltadas ao que interessa”.
Bolsonaro também afirmou que vai ser difícil definir um ministro para a pasta da Educação e que o escolhido por ele precisa “ter autoridade” e entender que o Brasil “é um país conservador”.