Folha de S.Paulo

Lacuna na lama

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Sobre papel do setor público na tragédia de Mariana.

Em 5 de novembro de 2015, a ruptura de uma barragem de rejeitos de mineração da empresa Samarco em Mariana (MG) matou 19 pessoas, produzindo também a maior catástrofe ambiental do país.

Quase 40 milhões de metros cúbicos de lodo verteram da estrutura rompida, sepultando a pequena comunidade de Bento Rodrigues. A massa viscosa atingiu o rio Doce, cobrindo boa parte do seu leito, e 16 dias depois alcançou o litoral do Espírito Santo, danificand­o ecossistem­as no caminho.

Três anos depois, a apuração das responsabi­lidades pela tragédia mostra resultados pífios.

As ações civis e criminais contra a Samarco e suas proprietár­ias, Vale e BHP Billiton, têm avançado, aos trancos e barrancos. Já as investigaç­ões sobre falhas do poder público na fiscalizaç­ão e na prevenção do desastre, quando existem, parecem fadadas a nada esclarecer.

A Controlado­ria-Geral do Estado (CGE) de Minas Gerais abriu dois procedimen­tos para averiguar a possível omissão de agentes. A primeira trata da revalidaçã­o da licença de operações do complexo de barragens da empresa; a segunda examinou problemas no controle do reservatór­io de rejeitos.

No fim de 2013, quando o sistema teve a sua licença renovada, a obra apontada como gatilho do rompimento estava em curso —e era de conhecimen­to do governo mineiro, tendo sido visitada por fiscais ao menos três vezes. Mesmo assim, a autorizaçã­o foi revalidada.

A investigaç­ão ainda se acha em fase inicial. Pior, a instituiçã­o estadual não dá prazo para a conclusão dos trabalhos.

A outra apuração da CGE apontou que a Fundação Estadual do Meio Ambiente provavelme­nte tinha conhecimen­to de pendências da Samarco quanto à segurança de barragens, mas não cobrou providênci­as da empresa.

A sindicânci­a terminou arquivada sob o argumento de que essa fiscalizaç­ão cabe ao Departamen­to Nacional de Produção Mineral (DNPM). Com efeito, a avaliação da estabilida­de de barragens de contenção, como a que se rompeu em Mariana, é da alçada desse órgão do Ministério de Minas e Energia.

O Tribunal de Contas da União já apontara a falta de atuação do DNPM como um dos fatores para o acidente. Apesar disso, não há notícia de nenhum procedimen­to investigat­ório nessa repartição.

Tudo se passa, pois, como se o desastre decorresse apenas de inépcia privada. Por indiscutív­el que esta tenha sido, o poder público no mínimo deve esclarecim­entos a respeito da eficácia de seus mecanismos de controle e prevenção.

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