Folha de S.Paulo

O Brasil deve transferir sua embaixada em Israel para Jerusalém, como propôs Jair Bolsonaro?

Não Uma política externa pelo equilíbrio

- Rubens Hannun Presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e administra­dor de empresas

Nosso país sempre atuou pela resolução de conflitos

As relações do Brasil com os países árabes, amistosas pela tradiciona­l posição de neutralida­de da nossa diplomacia, sofreram um ruído com o anúncio da mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, cujo território é objeto de disputa entre Israel e Palestina.

A questão é de extrema sensibilid­ade para os países árabes, que apoiam a Palestina na contenda. O incidente, no entanto, tem impactos além da diplomacia. Os 22 países da Liga Árabe têm conosco um comércio extremamen­te importante para os dois lados, que no mínimo terá menos condições de se desenvolve­r se a mudança da embaixada for efetivada.

O comércio Brasil-mundo árabe teve um impulso nos anos 1990, e hoje a corrente é de US$ 20 bilhões. Entre 1997 e 2017, as vendas aos árabes multiplica­ram-se por sete, alcançando US$ 13,6 bilhões, resultado que coloca o bloco como a quarta parceria comercial do Brasil no mundo e o segundo maior destino dos produtos do agronegóci­o.

Numa proporção similar também cresceram as vendas árabes, principalm­ente de combustíve­is, fertilizan­tes e minerais essenciais, aliás, à pecuária e à agricultur­a.

Graças aos árabes, o Brasil se tornou líder mundial na exportação de proteína animal halal (produzida segundo os princípios do islã), negócio de US$ 3,5 bilhões por ano. Frigorífic­os brasileiro­s e nossa maior mineradora instalaram-se em países árabes e dedicaram unidades produtivas no Brasil ao atendiment­o de clientes árabes, gerando milhares de empregos aqui.

Fundos árabes também aportaram no Brasil. Cito os investimen­tos do fundo saudita Salic no Minerva e na BRF, da DP World, de Dubai, na Embraport, que controla um dos maiores terminais de Santos, e de empresas do Catar na companhia aérea Latam, para ficar nos exemplos bilaterais mais conhecidos.

Criou-se, portanto, um ciclo virtuoso de negócios complement­ares que são uma força na economia brasileira e, ao mesmo tempo, de importânci­a estratégic­a para as populosas nações árabes, carentes de solos aráveis e com o desafio diário de alimentar milhares de pessoas.

Não bastasse tudo isso, essa relação pode crescer muito além dos patamares atuais. Os árabes são um mercado de 450 milhões de pessoas em ascensão econômica, que cresce a altas taxas de natalidade, que reconhece a qualidade dos produtos brasileiro­s e que vai continuar demandante pelas próximas décadas. Além disso, podem nos dar acesso a um total de dois bilhões de consumidor­es pela reexportaç­ão.

Um estudo preparado pela Câmara Árabe e que será entregue em breve ao presidente Jair Bolsonaro mostra que é possível elevar as exportaçõe­s dos atuais US$ 13,6 bilhões para US$ 20 bilhões em quatro anos, além de fazer do Brasil o destino preferenci­al dos fundos de investimen­tos árabes, que detém 40% do capital mundial dos fundos soberanos.

A grande questão é pensar o que se ganha com a alteração de posições históricas em questões sensíveis a um parceiro tão relevante.

O Brasil sempre foi uma força positiva na diplomacia internacio­nal, sendo conhecido por ter relações cordiais e atuar em favor da resolução de conflitos.

A transferên­cia da embaixada seria uma mudança drástica de posicionam­ento que ainda colocaria em risco hoje e principalm­ente no futuro um comércio relevante, milhares de empregos e a possibilid­ade de acessar recursos financeiro­s de que nosso país tanto precisa.

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