Folha de S.Paulo

‘Ali perdi meu pai’, diz filho de Witzel sobre ato contra placa de Marielle

- Gabriel Sabóia

rio de janeiro A vida do cozinheiro Erick Witzel, 24, virou de cabeça para baixo há pouco mais de dois meses, quando o então candidato ao governo do Rio Wilson Witzel (PSC) revelou ser pai de um filho transgêner­o. O jovem havia pedido para que o exjuiz não tocasse no assunto durante a campanha. “Eu não queria a minha imagem e a minha condição de gênero associadas às causas dele.”

Erick, que define a relação com o pai como “fria e distante até aquele momento, mas pacífica”, relatou ao UOL a decisão de se afastar ainda mais do pai quando o viu num ato em que uma homenagem à vereadora assassinad­a Marielle Franco (PSOL) foi destruída.

Desde a entrevista em que Witzel falou dele, Erick passou a conviver com ataques virtuais de supostos apoiadores do governador eleito.

“Eu nunca disse ‘sou trans’ no meu trabalho, por exemplo, mas sempre fui respeitado. Daquela declaração até hoje, eu ‘ganhei um rosto’, um rótulo de filho trans do governador eleito. E não paro de receber ofensas e ameaças constantes no meu Instagram.”

Muitas são de perfis falsos, diz. “Falam que eu sou a vergonha da minha família, me mandam voltar para o armário, dizem que vão rir quando eu for parar no caixão”, conta ele, que não falou mais com o pai e cogita formalizar denúncia na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informátic­a contra os agressores virtuais.

Enquanto via os atos de transfobia aumentarem, o jovem formado em gastronomi­a também percebia à distância o endurecime­nto das propostas do pai, que se declarou alinhado politicame­nte ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e passou a defender o “abate” de criminosos que estejam portando fuzis.

“O Brasil não tem pena de morte, como se propõe executar alguém sem julgar esta pessoa? Quem vai morrer com essa política? O que me pega nessa declaração é a incoerênci­a. Como um cristão, candidato por um partido cristão, propõe isso? E o princípio do “não matarás?”, questiona.

Se àquela altura Erick já se via distante do que o pai defendia, a participaç­ão de Witzel no ato no qual o deputado estadual eleito Rodrigo Amorim (PSL) exibiu uma placa destruída com o nome de Marielle gerou mais revolta.

“Quando eu ainda tinha Facebook [hoje mantem só o Instagram], vi a foto do deputado destruindo a placa. Ainda não aparecia o Wilson na imagem. Fui ao perfil dele e comecei a olhar a fotos do dia, investigan­do em que contexto aquilo tinha sido feito. Quando vi, o Wilson estava lá. Eles vibravam e cantavam.”

“Naquele momento pensei: ‘Perdi meu pai. Qualquer resto de humanidade dele se perdeu ali’. Foi como se rasgassem a luta de todas as minorias pelas quais Marielle lutou.”

Eleito, Witzel pediu desculpas à família de Marielle.

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