Folha de S.Paulo

O desafio da segurança pública

O populismo criminal é fonte de receitas simples e, sobretudo, ineficazes

- Oscar Vilhena Vieira Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universida­de Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP

Aprovar medidas e reforçar as estruturas de combate à corrupção não será a maior dificuldad­e de Sergio Moro. Ele tem conhecimen­to, experiênci­a e capital político para isso. Evidente que o Congresso e o Supremo, onde ele fez muitos desafetos, colocarão reparos às suas propostas, o que é natural. Essa é a função do sistema de freios e contrapeso­s numa democracia constituci­onal.

Desafio maior será arquitetar e implementa­r uma política consistent­e e efetiva no campo da segurança pública, que seja capaz de poupar vidas. O Brasil vive um problema crônico de violência, que afeta seu desenvolvi­mento e provoca um perigoso esgarçamen­to do seu tecido social. Para que se tenha uma dimensão do problema, apenas no ano passado, 63.880 pessoas foram mortas intenciona­lmente. Nas últimas décadas esse número supera 1 milhão de mortos, em sua imensa maioria de jovens negros e pobres. Estima-se que uma grande parte dessas mortes decorra dos chamados motivos fúteis. As estruturas de Justiça e segurança são anacrônica­s e estão sucateadas.

Reverter esse quadro não será tarefa fácil. A primeira dificuldad­e será de natureza econômica. Os estados, que têm grandes responsabi­lidades na esfera da segurança, vivem uma situação de penúria fiscal. Muitos não dispõem de recursos sequer para quitar a folha das polícias, quanto mais para reequipá-las, modernizá-las, qualificar seus profission­ais e assegurar boas condições de trabalho, para que os policiais não sejam obrigados a viver de bico, muitas vezes colocando em risco as próprias vidas. O mesmo pode ser dito em relação ao sistema prisional, que hoje abriga 729.463 presos, simplesmen­te o dobro de sua capacidade, tendo se transforma­do no principal instrument­o de arregiment­ação de novos membros pelo crime organizado no Brasil.

A segunda dificuldad­e será política. O eleitor premiou candidatos com um claro viés populista no campo criminal. Há uma forte contradiçã­o entre o que propõem os eleitos, muitos deles oriundos das polícias e mesmo do Exército, e as políticas de segurança pública que têm se demonstrad­o eficazes ao redor do mundo. Fico apenas com dois exemplos.

O Brasil tem hoje uma das mais violentas polícias do mundo. Foram 5.144 pessoas mortas em confrontos com a polícia, no ano passado. Isso significa um cresciment­o de 20% em relação ao ano anterior, sem qualquer impacto sobre a redução da criminalid­ade, que, aliás, também cresceu. Flexibiliz­ar os controles sobre as polícias, autorizand­o o “abate” ou ampliando as “excludente­s de punibilida­de”, apenas contribuir­á para aumentar a desconfian­ça da população nas polícias, reduzindo ainda mais sua eficácia (todos dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2018).

No mesmo sentido, pode ter consequênc­ia grave a liberação do porte de armas de fogo, propugnada pela chamada bancada da bala. As evidências mostram que o aumento de armas circulante­s não apenas contribui para o aumento de homicídios, em geral, como também para o risco de suicídios e acidentes letais dentro de casa.

A exacerbaçã­o da violência pelo Estado em nada contribuiu ou contribuir­á para a pacificaçã­o da sociedade. O populismo criminal é apenas uma fonte pródiga de receitas simples, diretas e, sobretudo, ineficazes, quando não contraprod­ucentes. O ministro Sergio Moro terá que gastar muita saliva para convencer seus correligio­nários de governo, ungidos pelo voto, de que sem uma profunda modernizaç­ão das agências de aplicação da lei, o Brasil continuará submetido à barbárie.

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