Livro critica Uber e startups por não empregar trabalhadores
Para autora, economia dos bicos traz pouco benefício aos menos qualificados
O termo em inglês “gig economy” é usado para definir a tendência de troca do emprego fixo pela vida de freelancer. A prática, iniciada pelas startups, será o futuro das relações trabalhistas, segundo especialistas.
A expressão dá nome ao livro da jornalista Sarah Kessler, que se propõe a discutir o que seria “o fim do emprego e o futuro do trabalho” (em tradução ao português).
A obra é, sobretudo, um bom conjunto de perfis. A maioria sobre trabalhadores dos Estados Unidos e do Canadá, de diversas classes e qualificações, que recorrem às startups principalmente por falta de um emprego formal.
As histórias são intercaladas de modo que o leitor acompanha a entrada, quase sempre entusiasmada, de cada personagem na economia dos apps. Em seguida, são expostas as primeiras decepções.
A falta de diálogo e negociação salarial com as plataformas, as remunerações baixas, as cargas horárias elevadas e, eventualmente, a decisão de fazer protestos contra as organizações são elementos recorrentes na narrativa.
Em meio às histórias dos freelancers por necessidade, a autora enumera pesquisas que evidenciam a precarização desse tipo de atividade.
Cita, por exemplo, um estudo segundo o qual, em Nova York, 20% dos motoristas de aplicativos como o Uber recebem menos de US$ 30 mil (R$ 112,5 mil) ao ano, quando o salário aceitável para sobreviver na cidade seria de ao menos US$ 46 mil anuais (R$ 172 mil).
A Uber, aliás, que ganhou fama, escala e receita com base no modelo de negócio em que seus motoristas não são empregados, é um dos principais alvos de Kessler.
Por meio da história de um ex-motorista do aplicativo, a autora dá voz a críticas à política da empresa de não contratar seus colaboradores e alterar unilateralmente os critérios das remunerações.
Há ainda a história de um professor que monta uma escola gratuita de qualificação de mão de obra para startups na cidade de Dumas, no Arkansas.
Com o tempo, ele verifica que a remuneração dos bicos digitais, atrativa para freelancers de países de renda baixa, é quase sempre insuficiente diante dos custos de vida dos Estados Unidos.
Com seus exemplos, Kessler tenta provar que, para os menos qualificados, os bicos digitais podem piorar a qualidade de vida. O resultado seria mais precarização do que oportunidades de trabalho.
A flexibilização de jornadas e a remuneração por tarefas, argumentos a favor da “nova economia” das startups, beneficiam mais os profissionais com alto grau de instrução e especialização, como o dos programadores, segundo ela.
Uma das falhas do livro, porém, está na apresentação de alternativas a esse modelo de informalidade trabalhista.
A startup Managed by Q, aplicativo que oferece serviços de limpeza a empresas, especialmente escritórios, é retratada pela autora como contraponto ao modelo informal simbolizado pelo Uber.
Porém a narrativa dos supostos esforços de Dan Teran, um dos sócios da Managed by Q, emula a típica jornada do herói de Joseph Campbell.
Teran de fato adota, gradualmente, benefícios que vão do registro formal ao pagamento de bônus e à cessão de participação acionária a empregados. No entanto, nenhuma dessas práticas chega a ser novidade fora do ambiente das empresas digitais.
Kessler também passa longe de uma reflexão profunda sobre o papel do Estado na fiscalização e, principalmente, na criação de leis que garantam direitos aos freelancers.
O resultado é que a obra se atém, na maior parte do tempo, às startups e quase não aborda o futuro das relações de trabalho.
Os efeitos da transposição do modelo dos bicos a empresas tradicionais e à economia real não são desenvolvidos no texto.
A tendência de automatização da força de trabalho, traduzida por exemplo no carro autônomo, que eliminaria a necessidade de motoristas, é apenas citada pela autora.
Se o leitor espera um ensaio sobre o futuro, poderá se desapontar, apesar das boas histórias contadas na obra.