Folha de S.Paulo

Cantora Elza Soares não quis ser santa em biografia escrita por Zeca Camargo

Livro escrito por Zeca Camargo retrata a vida sofrida e cheia de pecados e desejos de uma das maiores cantoras do país

- Thiago Ney Carl De Souza/AFP

“Elza”, biografia escrita por Zeca Camargo, chega às livrarias nesta segunda-feira (12). Um livro que na verdade nem deveria existir —porque Elza Soares tinha tudo para dar errado.

“Isso é muito claro para mim: não era para a Elza Soares ter dado certo. Teve uma origem miserável, casou-se aos 13 anos, foi mãe de cinco filhos ainda adolescent­e e, aos 19, já tinha perdido dois deles; começa a cantar escondida da família, sofre racismo sem nem saber o que era racismo”, afirma Camargo. “E depois ainda se casa com o Garrincha e vira a inimiga pública número um do país. Ela já tinha haters nos anos 1960.”

Uma vida bastante sofrida, mas Elza avisa: “Eu pedi ao Zeca: ‘Pelo amor de Deus, não me coloque como uma santa!’. Sou um ser humano, com pecados, desejos, não sou uma santinha, sou uma pessoa que enxerga a vida de um jeito bom”, diz ela ao repórter.

Foi obrigada a casar logo cedo, por volta dos 13 anos. Para ajudar a sustentar a casa e os filhos, Elza foi trabalhar em uma fábrica de sabão.

Em 1953, foi ao programa “Calouros em Desfile”, de Ary Barroso, na rádio Tupi, para ver se conseguia algo como cantora. Interpreto­u “Lama”, de Paulo Marques e Ailce Chaves. Foi tão bem que um impression­ado Barroso sentenciou: “Senhoras e senhores, nasce uma estrela”.

Elza saiu dali confiante, mas a sua vida não mudou muito. Durante a noite, passou a cantar com uma orquestra em bailes pelo Rio. Em alguns salões, era impedida de subir ao palco por ser negra. Elza não entendia bem aquilo. “Mas hoje sei que nasci em um dos países mais racistas do mundo”, diz.

Em 1958, depois de integrar o espetáculo “É Tudo Jujufrufru”, foi convidada a participar de uma turnê por Buenos Aires com diversos músicos. Acomodada em um hotel, Elza dormiu pela primeira vez em um colchão.

O que era para durar alguns dias demorou quase um ano: Elza levou um calote e, para não voltar ao Brasil sem nenhum dinheiro e derrotada, permaneceu na Argentina fazendo pequenos shows. Ali, ficou amiga de Astor Piazzolla. E foi ali também que recebeu a notícia de que o pai havia morrido.

Ao retornar ao Rio, Elza investiu na carreira de cantora. Ajudada por Moreira da Silva, gravou um compacto com duas faixas. Pouco depois, convidada por Sylvia Telles, foi à Odeon gravar um disco. Ela ainda não era famosa, mas ao chegar ao estúdio viu que muita gente estava no local para vê-la, gente como Lúcio Alves e um certo João Gilberto.

Garrincha foi o maior amor da sua vida, mas a união dos dois foi malvista no país. Porque o jogador ainda estava casado com a primeira mulher. Elza foi pintada como uma destruidor­a de lar.

Nos anos 1980, gravou rock, com Cazuza, fez show com os Titãs. Mas a libertação artística de Elza veio apenas em 2002, quando gravou “Do Cóccix até o Pescoço”, com direção de José Miguel Wisnik. Recentemen­te, lançou dois elogiados discos, “A Mulher do Fim do Mundo” (2015) e “Deus É Mulher” (2018).

“Não teria feito nada diferente. Nem teria como, foi muito difícil. O caminho que vem, a gente abraça. A gente quer o melhor, mas a gente abraça aquele que dá.”

Elza

Zeca Camargo. Ed. LeYa R$ 54,90 (400 págs.). Lançamento dia 12, no Rio de Janeiro, às 19h30, no Estação Net Gávea; e dia 21, às 19h, em São Paulo, na Liv. Cultura do Conjunto Nacional

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A cantora Elza Soares em show do disco ‘Deus É Mulher’

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