Folha de S.Paulo

De juiz a ministro

Acerca de poderes de Moro no combate à corrupção.

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O Ministério da Justiça, a ser comandado pelo juiz Sergio Moro a partir de janeiro, é uma das organizaçõ­es políticas brasileira­s mais longevas. Comemorará dois séculos de existência em julho de 2022, dois meses antes de o país festejar o bicentenár­io da Independên­cia.

Tradiciona­lmente, veio exercendo o papel de mediador entre os Poderes Executivo e Judiciário. Com o tempo, acumulou tarefas diversas como as de zelar por concorrênc­ia na economia, status dos estrangeir­os no território nacional, cooperação internacio­nal, comando da Polícia Federal e administra­ção dos presídios da União.

Nunca, no entanto, comportous­e como pivô do combate à corrupção e ao crime organizado no país, principal objetivo de Moro a julgar pelas suas primeiras entrevista­s.

A dificuldad­e começa na concepção do sistema de freios e contrapeso­s moderno, adotado na Constituiç­ão de 1988. O poder, os recursos e a iniciativa para agir estão mais concentrad­os no Executivo.

A tarefa, por seu turno, de controlar os excessos da ação, na qual se insere o combate à corrupção, fica a cargo dos outros dois Poderes, bem como de burocracia­s autônomas especializ­adas, como é o caso do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União.

A Polícia Federal, embora esteja formalment­e sob a alçada do Ministério da Justiça, desenvolve­u caracterís­ticas e prerrogati­vas funcionais que a tornaram parecida com aquelas duas últimas organizaçõ­es. Comporta-se mais como organizaçã­o de Estado que de governo.

Em razão desse alicerce de autonomia que veio sendo organicame­nte reforçado nas últimas décadas —não porque tenha havido presidente­s ou ministros bem intenciona­dos—, a PF não se deixa tutelar pelos interesses dos ocupantes de turno da pasta da Justiça.

Será arriscada a manobra do novo ministro para alinhar o aparato policial ao seu programa se ela conotar retrocesso ao mandonismo, ainda que de boa fé. Muitos expurgos na história começaram assim.

Outro item delicado na prometida reconfigur­ação do Ministério da Justiça é o papel a ser dado ao Conselho de Atividades Financeira­s (Coaf), transferid­o da Fazenda. Apenas a boa governança evitará que esse mecanismo, pensado para ser um alarme de movimentaç­ões suspeitas de dinheiro, descambe para alimentar a agenda persecutór­ia do governismo.

Moro precisará de mais que sua notória fluência no combate ao crime do colarinho branco.

Necessitar­á de habilidade política, algo que ainda falta em sua biografia, para não misturar a estação do voluntaris­mo com a do respeito aos mecanismos que asseguram caráter impessoal e republican­o ao funcioname­nto da máquina policial e fiscalizad­ora.

Que seja rápido o aprendizad­o.

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