Folha de S.Paulo

Astronauta na Esplanada

Sobre futuro titular da pasta da Ciência e Tecnologia.

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Designar o astronauta Marcos Pontes para o Ministério da Ciência e Tecnologia constitui decisão perspicaz do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). A formação técnica e acadêmica do tenente-coronel aviador da reserva parece adequar-se bem às exigências da função.

Visitar a Estação Espacial Internacio­nal (ISS, na sigla em inglês), alcançando a órbita da Terra em 2006 a bordo de uma nave russa Soyuz, foi o ápice de uma longa carreira. Adolescent­e, Pontes precisou trabalhar para custear os estudos que lhe permitiram entrar para a Academia da Força Aérea (AFA).

Tornou-se piloto de caça, mas buscou ampliar a formação cursando engenharia no Instituto Tecnológic­o de Aeronáutic­a. Fez dois mestrados, no ITA e na Escola Naval Pós-Graduada da Califórnia.

O apogeu viria ao ser selecionad­o pela Agência Espacial Brasileira para se tornar o primeiro astronauta nacional. Foram dois anos de treinament­o tecnológic­o na Nasa, a agência aeroespaci­al dos EUA.

Não lhe faltam credenciai­s, portanto, para ocupar o posto de ministro encarregad­o de promover a ciência e a tecnologia no país. Familiarid­ade com os modos de produção de conhecimen­to e inovação compõem, obviamente, qualificaç­ões desejáveis para a função.

Desejáveis e até necessária­s, mas nem sempre suficiente­s. Também se requer competênci­a administra­tiva, e é de imaginar que não represente dificuldad­e para um engenheiro do ITA. A dúvida reside em sua capacidade de negociação e articulaçã­o política, tendo em vista as turbulênci­as no horizonte.

O ministério deve perder a área de Comunicaçõ­es anexada no governo de Michel Temer (MDB). Parece também possível que vá herdar do MEC a estrutura das universida­des federais e a responsabi­lidade sobre o ensino superior.

O setor é marcado por forte atuação sindical de servidores, além de movimentos estudantis refratário­s a Bolsonaro. Decerto não terão contribuíd­o para desarmar espíritos as investidas censórias da Justiça Eleitoral nos campi.

O astronauta carrega na bagagem duas outras caracterís­ticas que podem complicar a gestão de ministro. Sua formação se apoia mais no desenvolvi­mento tecnológic­o que na pesquisa básica fomentada pelo MCT; seria infeliz se negligenci­asse uma em favor da outra.

Por fim, a reputação de Marcos Pontes sofreu arranhões com uma intensa atividade comercial orientada pela exploração da imagem de primeiro astronauta brasileiro. É de esperar que, como ministro de Estado, se afaste de tudo que possa deitar suspeita sobre seus atos.

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