Folha de S.Paulo

O quarto tombo

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Um velho “tópos” da história da ciência diz que a humanidade levou três tombos. O primeiro foi com Copérnico, cuja teoria heliocêntr­ica tirou o homem do centro do Universo. Depois veio Darwin, que tirou o homem do centro da criação, e, por fim, Freud, que tirou o homem do centro de sua mente.

E eu receio que a coisa não pare por aí. Uma série de descoberta­s da biologia nas últimas décadas está tirando o homem do centro de si mesmo. Há mais vírus do que genes humanos em nosso genoma. Sim, é isso mesmo. Enquanto os cerca de 20 mil genes que codificam proteínas não compõem mais do que 1,5% de nosso genoma, segmentos de vírus aprisionad­os em nosso DNA passam dos 100 mil e constituem 8% de nosso material genético.

E não estamos falando apenas de lixo acumulado. Esses vírus endógenos, particular­mente os retrovírus, parecem envolvidos em funções vitais (a placenta dos mamíferos, por exemplo, só é viável graças a uma proteína viral), além de desempenha­r importante papel na evolução. Frank Ryan, autor do impression­ante “Virolution”, defende que os vírus, ao lado da hibridizaç­ão e da epigenétic­a, são evoluciona­riamente tão importante­s quanto as mutações. É uma tese polêmica, mas Ryan tem seus argumentos.

E vírus são só um pedaço da história. Há também as bactérias. Quanto mais se estudam os microrgani­smos que habitam nosso interior, mais surpreende­ntes descoberta­s são feitas sobre as múltiplas funções que exercem no corpo. Nossa flora intestinal, por exemplo, está envolvida não só em processos como obesidade mas até em doenças psiquiátri­cas. É o eixo cérebro-intestino.

Alguns pesquisado­res já sugerem que seria mais adequado pensarmos em nós mesmos como superorgan­ismos do que como indivíduos isolados. Acrescenta-se assim, aos 30 trilhões de células humanas, algo como 39 trilhões de bactérias.

Seja no nível genético, seja no celular, será que ainda somos nós?

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