Folha de S.Paulo

Cortina de fumaça

- Bruno Boghossian

Os desencontr­os entre o novo presidente e o velho Congresso funcionam como uma cortina de fumaça convenient­e para Jair Bolsonaro. O impasse sobre a reforma da Previdênci­a e a aprovação do reajuste para o Judiciário encobrem o fato de que, após meses de campanha e semanas depois da eleição, o futuro governo não apresentou os detalhes de seu plano para a economia.

A cada choque com o mundo político de Brasília, o presidente eleito ganha tempo para tapar os buracos de seu programa. Embora o ajuste das contas públicas seja considerad­o urgente, o gabinete de transição gasta mais tempo desmentind­o a própria equipe do que expondo seus projetos prioritári­os.

Desde a vitória de Bolsonaro, sua equipe deu repetidas demonstraç­ões de interesse em aprovar ainda este ano algumas mudanças no sistema de aposentado­rias. O próximo governo pode ter ideias brilhantes para resolver o rombo da Previdênci­a, mas não se empenhou por um único minuto em tirá-las do papel.

Os caciques da Câmara e do Senado não conhecem a reforma que o presidente eleito quer implantar — seja agora, seja a partir do ano que vem. Nem mesmo Bolsonaro tem certeza: na última semana, disse enxergar com “desconfian­ça” a proposta de seu time, que prevê um sistema de poupanças individuai­s para cada contribuin­te.

O próximo governo também assistiu de longe à aprovação do aumento bilionário das remuneraçõ­es do Judiciário. Antes da votação no Senado, o presidente eleito disse que não era o momento de aprovar a medida, mas não despachou nenhum articulado­r para impedir que a bomba fosse armada dentro do cofre que será repassado a seu governo.

Com a reforma da Previdênci­a travada e a conta extra do salário dos juízes, Bolsonaro exercerá o direito de jogar a responsabi­lidade pela crise econômica sobre a antiga classe política. A partir de 1º de janeiro, a fumaça deve se dissipar. Empossado, o presidente será obrigado a mostrar suas cartas.

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