Folha de S.Paulo

Garrafa ao mar

- Ruy Castro

No tempo em que o cinema se propunha a discutir coisas, o italiano Michelange­lo Antonioni fez três filmes sobre a “incomunica­bilidade”: “A Aventura” (1960), “A Noite” (1961) e “O Eclipse” (1962). Todos com a bela Monica Vitti, só variando o galã. Para mostrar que o grande problema do ser humano era sua solidão pessoal, inclusive a dois, os personagen­s de Antonioni passavam o filme zanzando pela cidade, sem ir a lugar nenhum, e falavam muito pouco. Hoje, esses filmes não teriam sentido. Um dos dois pegaria o iPhone e fariam uma DR por telefone, quem sabe comendo um cheeseburg­uer ao mesmo tempo.

Mas, na minha opinião, o problema não foi resolvido —as pessoas continuam tentando se comunicar. Vide a multidão que anda pelas ruas ao celular. O que elas tanto têm a dizer é um mistério. Só se sabe que é uma comunicaçã­o que não pode esperar.

Uma camiseta com dizeres também é uma forma de comunicaçã­o, embora a pergunta da pensadora nova-iorquina Fran Lebowitz, nos anos 70, continue sem resposta: “Se ninguém quer ouvir o que você tem a dizer, por que ouviriam a sua camiseta?”. E os milhões que escrevem e rabiscam coisas no corpo? Quem está interessad­o em entender o que aqueles garranchos e abstrações significam?

Sem falar no tempo de vigência dessas mensagens —todas têm tempo de vida limitado. Uma camiseta abandonada na natureza se desfaz em um ano. E a sua tatuagem desaparece­rá com você, mesmo que você viva cem anos. Como fazer então? Uma reportagem no caderno Ambiente de domingo último (4), “Por que os canudinhos de plástico se tornaram os novos vilões do mundo?”, me deu a resposta.

A garrafa de vidro. Leva 10 mil anos para se decompor. Escreva a sua mensagem, enfie-a numa garrafa e jogue-a ao mar. Não há hipótese de, em 10 mil anos, ela não chegar a alguém que finalmente saberá o que você tanto queria dizer.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil