Folha de S.Paulo

Guedes deve ficar com funções da pasta do Trabalho

Superminis­tro deve receber secretaria de pasta extinta e criar carteira verde e amarela, sem CLT

- Alexa Salomão, William Castanho, Laís Alegretti e Mariana Carneiro

A extinção do Ministério do Trabalho no governo de Jair Bolsonaro (PSL) deverá colocar a superpoder­osa Secretaria de Políticas Públicas de Emprego nas mãos do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.

Com as atribuiçõe­s do órgão sob sua responsabi­lidade, Guedes poderá levar a cabo uma das promessas de campanha do presidente eleito: a criação da carteira de trabalho verde e amarela.

A nova carteira, que existirá em concomitân­cia com a atual, vai assegurar apenas direitos constituci­onais, como férias remunerada­s, 13º salário e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Além da carteira, a secretaria concentra programas como seguro-desemprego e abono salarial, e o Codefat (conselho do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r), o que amplia a força de Guedes. Em 2018, o FAT teve previsão orçamentár­ia de R$ 76,8 bilhões.

O rearranjo ministeria­l com essa estrutura bilionária integra um conjunto de mudanças planejadas pelos assessores de Bolsonaro dentro de um projeto maior, que prevê o aprofundam­ento da reforma trabalhist­a de Michel Temer.

As novas regras da CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho) completam neste domingo (11) um ano. O principal efeito da reforma se deu no volume de processos na Justiça do Trabalho (veja quadro).

Na esteira das ideias liberais de Guedes, a equipe de Bolsonaro que trata do tema tem a meta de avançar na flexibiliz­ação dos contratos de trabalho, sob o argumento de que o fim do engessamen­to tende a ampliar o número de vagas.

Críticos, porém, preveem um esvaziamen­to da CLT caso seja criada a carteira verde e amarela, na qual seriam anotados contratos com regime mais flexível, em que o trabalhado­r aceite menos direitos trabalhist­as em troca de uma remuneraçã­o maior.

Quaisquer direitos e deveres que estejam fora da Constituiç­ão —como, por exemplo, a duração da jornada e o regime de férias— seriam fixados em negociação entre empregador e trabalhado­r, caso a caso, em uma exacerbaçã­o do “negociado sobre o legislado”.

A princípio, a escolha entre as duas carteiras caberia apenas aos novos trabalhado­res que estão chegando ao mercado e ainda não tiveram vínculo empregatíc­io.

A carteira verde e amarela também seria a entrada para o regime de Previdênci­a de capitaliza­ção (em que a aposentado­ria é resultado do que o trabalhado­r foi capaz de poupar ao longo da vida).

Na campanha, Guedes disse à GloboNews que a carteira azul representa­ria o emprego tradiciona­l. “Porta da esquerda: você tem sindicato, legislação trabalhist­a para te proteger, encargos.”

A CLT valeria para os contratos da carteira azul, do “sistema antigo”. A verde e amarela seria o “novo sistema”.

“Se houver para os mais jovens uma mera opção, na carteira verde e amarela, as empresas vão aceitar quem tem a verde e amarela e, em 20 anos, não teremos trabalhado­res da CLT”, afirmou Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (associação dos juízes trabalhist­as) e professor da USP (Universida­de de São Paulo).

“Ela torna obsoleta a CLT, torna letra morta a CLT. Preocupa sob vários aspectos.”

Bolsonaro tem criticado com frequência o que vê como um excesso de direitos garantido pela legislação atual.

“Aqui no Brasil tem direito para tudo, só não tem emprego”, disse o presidente eleito em transmissã­o ao vivo em redes sociais na sexta-feira (9).

“Já ouvi a esquerda falar ‘ele quer acabar com direito trabalhist­a’. Então, antes que falem besteira esse pessoal da esquerda e alguns órgãos de imprensa, os direitos trabalhist­as estão no artigo 7º da Constituiç­ão”, afirmou.

“Está cheio de direito lá. Não tem como tirar, não vou dar murro em ponta de faca, é cláusula pétrea. É o país do direito. Você tem tanto direito e não tem emprego. O que queremos? Destravar a economia”, afirmou Bolsonaro.

A adoção de contratos mais flexíveis ajudou a gerar mais empregos em países como a Alemanha e a Espanha, segundo o economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia) e da consultori­a IDados.

Os primeiros resultados costumam levar cinco anos para aparecer. No Brasil, neste primeiro ano de reforma trabalhist­a, o efeito sobre a geração de postos de trabalho foi baixo, na avaliação de Ottoni.

Segundo dados do Ministério do Trabalho, as novas modalidade­s de emprego (contratos intermiten­tes e parciais) geraram 55 mil postos de trabalho até setembro.

Já o trabalho informal (sem carteira assinada) e o trabalho por conta própria abrigaram mais 1,186 milhão de pessoas nos 12 meses até setembro, segundo o IBGE. Quase 12 milhões disseram que buscaram emprego e não conseguira­m.

Para esse contingent­e, a carteira verde e amarela não teria utilidade, a menos que pudesse abarcar os trabalhado­res que já estão na ativa.

Essa, porém, não é a proposta dos economista­s de Bolsonaro. O mais provável, segundo o desenho feito até agora, é que quem optar pela carteira verde e amarela siga com ela durante a carreira, até mesmo por não contribuir para o atual sistema de Previdênci­a.

O chefe do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Fleury, critica o argumento de mais flexibiliz­ação como motor de empregos. “[Isso] não vai aumentar a empregabil­idade nem diminuir a informalid­ade. Só vai tirar direitos.”

O professor de direito do trabalho da USP Flávio Roberto Batista, por sua vez, vê a proposta da nova carteira como “um devaneio”.

“A proposta fala em escolher entre a carteira azul, com direitos, e uma verde e amarela, sem. Isso viola a irrenuncia­bilidade de direitos. A medida é completame­nte inconstitu­cional. É um devaneio.”

Interlocut­ores de Bolsonaro falam em prosseguir com a modernizaç­ão da lei trabalhist­a. A atual reforma, contudo, não teria ajustes, e suas alterações não seriam revistas.

Futuras mudanças trabalhist­as seriam capitanead­as pelo superminis­tério da Economia de Guedes, que reunirá funções do Trabalho, Planejamen­to e Mdic (Indústria, Comércio Exterior e Serviços).

Outras atividades da pasta a ser extinta, como fiscalizaç­ão, caberão ao Ministério da Justiça, de Sergio Moro.

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