Folha de S.Paulo

O governo é civil

Será crucial desvendar quanto os militares estarão dispostos a proteger Bolsonaro

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

O futuro das incertezas e dos temores com o governo Bolsonaro depende, a rigor, de um fator dominante sobre todos os demais. E ausente das cogitações atuais por ainda faltarem motivos que o tornem perceptíve­l.

Em todas as possíveis circunstân­cias que não sejam de aceitação majoritári­a com o andar de tal governo, os outros Poderes e a legislação dispõem de variadas medidas corretivas. Aplicá-las, porém, não decorre só de existirem.

As injunções políticas e os interesses representa­dos no Legislativ­o e no Judiciário combinam-se como força decisória. Não, porém, no caso de Bolsonaro.

Se as coisas desandarem, o importante para antever o seu rumo será desvendar quanto os militares estarão dispostos a empenhar em barragem de proteção a Bolsonaro. O que dependerá da identifica­ção, ou confusão, entre o Exército e o governo conduzido por ex-ocupantes das suas casernas.

O trabalho para criar essa identifica­ção vem desde a campanha, à qual deu contribuiç­ão por certo significat­iva. Mas sua intensific­ação pós-resultado eleitoral ganha proporções mais do que inadequada­s.

Fazer tocar o hino do Exército, por exemplo, no saguão do hotel onde ocorrem as reuniões do círculo de Bolsonaro é abusivo.

Até que se constate o contrário, se isso acontecer, o governo será poder civil. Mesmo os generais reformados que vão para ministério­s administra­tivos estarão em cargos civis, sem diferença do advogado e do político em outro ministério.

E, com a forçada identifica­ção, o que o Exército ganha não lhe convém, nem ao país: é o risco de ser identifica­do com possíveis insucessos de Bolsonaro e seu governo.

Além do mais, há uma contradiçã­o que inclui todos os modos de explorar a imagem do Exército utilizados agora e desde os primeiros passos de Bolsonaro na vida política. Se preza tanto o Exército, por que não agiu de modo a ser bem aceito nele? Citada várias vezes em dias recentes, a frase de Geisel é terminante: “Bolsonaro é um mau militar”. Indesejado por desordem e insubordin­ação, foi induzido e conduzido à reforma.

A identifica­ção é buscada, em parte está atingida, mas não é autêntica nem legítima.

O sitiado

Os depoimento­s de Emílio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, no meio da semana, tiveram cara e coroa. Ambos disseram que antes das melhorias no sítio de Atibaia não houve doação alguma a Lula como pessoa. Desse modo, confirmava­m aquela. Mas disseram também que foi “uma coisa pessoal”, nada tendo, portanto, com retribuiçã­o a contratos na Petrobras.

Desse modo, derrubam a tese de Sérgio Moro.

O critério

O senador Blairo Maggi deu o sinal da péssima reação no agronegóci­o, extensiva a desdobrame­ntos, à hostilidad­e de Bolsonaro a países árabes, com a mudança da embaixada brasileira em Israel para imitar Trump. Como meio de aplacar a reação, foi decidida a escolha às pressas, para o Ministério da Agricultur­a, de alguém ligado aos ruralistas.

Veio a ser a deputada Tereza Cristina. Com péssima repercussã­o dos críticos ao desmatamen­to, defensores dos povos e reservas indígenas, e dos preocupado­s com o uso disseminad­o de agrotóxino­s na agricultur­a.

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