Folha de S.Paulo

Carnificin­a da guerra deu origem a movimento pacifista no cinema

- Inácio Araújo

A carnificin­a da Primeira Guerra detonaria um movimento pacifista que, em termos cinematogr­áficos, começou ainda com o “J’Accuse”, de Abel Gance. Embora o filme tenha sido lançado em 1919, Gance já concebia seu épico desde 1917.

Ainda que alterne histórias pessoais (menos interessan­tes para o espectador de hoje) com intensas cenas de batalha, o momento mais assombroso é a inacreditá­vel procissão dos mortos que despertam para acusar os responsáve­is pelo morticínio.

Em Hollywood, a guerra rendeu em 1930 a clássica adaptação do romance de Erich Maria Remarque, “Nada de Novo no Front” (1930), que acrescenta­va às cenas o impacto do sonoro.

Anos mais tarde, John Ford individual­izou a tragédia, deslocando-a para um grupo que se perde no norte da África em “A Patrulha Perdida” (1934). No mesmo ano, Howard Hawks também dava mais ênfase a questões individuai­s em “Vivamos Hoje”.

Não obstante, o fato é que os EUA pareciam mais entusiasma­dos com a aviação como arma entre os anos 1920 e 1930, razão pela qual diversos títulos se dedicaram aos feitos e batalhas aéreos. Para ficar nos mais célebres: “Asas” (1928), de William Wellman, que ganhou o primeiro Oscar de melhor filme, “A Patrulha Perdida” e “Anjos do Inferno” (1930), de Howard Hughes.

A Primeira Guerra deixa de ser assunto central às vésperas da Segunda, é verdade. Ainda assim, serve de pretexto para evocar o heroísmo de um jovem caipira e pacifista por razões religiosas (Gary Cooper novamente), em “Sargento York”.

Mas o filme de Howard Hawks, de 1941, visava mesmo era exaltar o feito do militar americano, pouco antes do país entrar na nova guerra. Apesar do humor caracteris­ticamente hawksiano.

Humor nenhum tem Stanley Kubrick naquela que talvez seja a última obra-prima motivada pela guerra de 19141918, “Glória Feita de Sangue”.

Ele se concentra no julgamento de três recrutas que deixaram de cumprir uma missão concebida por absoluta inépcia do Estado Maior francês. Os rapazes servirão de bodes expiatório­s da formidável miopia dos oficiais.

Se vale a pena saltar o pouco inspirado “Cavalo de Guerra” (2011), de Steven Spielberg, compensa evocar uma das mais marcantes cenas de Primeira Guerra, logo na abertura de “Agonia e Glória” (1980), de Samuel Fuller.

Ali, o soldado Lee Marvin é implacavel­mente atacado por um cavalo louco em um campo cheio de mortos.

Em meio à neblina, um soldado alemão aparece de mãos erguidas dizendo que a guerra acabou. Acostumado a esse tipo de truque e sem poder distinguir qual seria sua real atitude, Marvin o ataca e o mata com a faca.

Volta à trincheira, onde é informado pelo seu capitão de que a guerra acabara antes dele ter matado o soldado alemão. Marvin fica arrasado.

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