Folha de S.Paulo

Tempo joga contra ‘cocaleiros’ sob pressão de governo

- Tradução de Clara Allain GB

ria. O Pnis prometeu aos raspachine­s o equivalent­e a 12 meses de salário para trabalhare­m na substituiç­ão dos pés de coca. Mas um ano depois de iniciado o programa, nenhum centavo chegou.

Alguns deixaram os campos onde colhiam coca e foram a Medellín, a capital do departamen­to, onde engrossam as filas de desemprega­dos.

Outros ficaram nas montanhas, esperando que alguma coisa aconteça. Anderson foi trabalhar como ajudante em uma pizzaria em Bogotá.

Em cada região cocaleira, o segredo para que a produção prospere está na matériapri­ma e nos laboratóri­os improvisad­os em que as folhas viram a pasta-base de cocaína, mediante processos químicos simplifica­dos por camponeses como Julio.

Nos fundos da casa de sua mãe, às vezes ajudado por sua sobrinha de 4 anos, Julio manuseia gasolina, ácido sulfúrico e outras substância­s para extrair o alcaloide das folhas.

O rendimento de cada carregamen­to de folhas colhidas vai indicar se a colheita valeu.

Existem novas variedades de coca com as quais é possível obter mais de três colheitas por ano, elevando os rendimento­s dos produtores. Se o camponês possui meios para converter cada colheita em pasta-base, ele consegue ter uma fonte dupla de renda.

Essa renda, porém, não se compara ao dinheiro que circula em outros escalões da cadeia do narcotráfi­co.

Julio consegue ganhar cerca de US$ 250 (R$ 933) por mês, dinheiro com o qual se sustenta e ajuda sua esposa e sua filha, que moram em Medellín.

Ele também gasta com a manutenção dos animais de seu sítio e investe nos outros cultivos que tem e que consegue manter com a renda da atividade cocaleira. Por isso, diz que os US$ 300 mensais que o governo deu aos camponeses inscritos no Pnis por um ano não bastam, e muitos lavradores de coca vão à falência ou voltam ao cultivo ilícito. Para Pedro Arenas, diretor do Observatór­io de Cultivos e Cultivador­es Declarados de Uso Ilícito, os acordos fechados com as 77 mil famílias que se inscrevera­m no programa serão cumpridos conforme o governo conseguir fundos, e não haverá novos acordos.

Os cidadãos que não conseguira­m fechar acordos de substituiç­ão de coca em 2017 e 2018 terão que lidar com a erradicaçã­o forçada e fumigação com glifosato.

Por outro lado, Arenas assinala que os projetos oferecidos nos acordos serão implementa­dos com alianças entre camponeses e empresas como projetos produtivos industriai­s, deixando os lucros para as empresas, que por sua vez contratarã­o os camponeses.

Nas regiões cocaleiras, a pasta-base é entregue aos compradore­s em locais próximos aos sítios onde é produzida. De vez em quando, militares ou a polícia prendem camponeses com um ou dois quilos de pasta. Além da pena de prisão para o portador da droga, a detenção representa a perda de quatro meses de trabalho.

Cada quilo de pasta vale em média US$ 700. Depois de refinada para virar cloridrato de cocaína, pode chegar a US$ 35 mil por quilo na Europa.

Além disso, grupos armados ilegais também querem sua parte. Foi assim que a luta pelo controle das rotas do tráfico desencadeo­u a guerra em Catatumbo entre guerrilhei­ros do ELN (Exército de Libertação Nacional) e EPL (Exército Popular de Libertação) e grupos paramilita­res.

O narcotráfi­co também alimenta a tensão em Putumayo, na Amazônia colombiana, onde grupos armados vêm obrigando os camponeses que firmaram acordo com o Pnis a semear o dobro do número de hectares em que a coca foi destruída; e em Cauca e Nariño, na costa do Pacífico, onde foi detectada presença de cartéis mexicanos pelo DEA, o departamen­to americano de combate ao tráfico.

 ?? Gerald Bermúdez/ Folhapress ?? 1 Raspachine­s fazem última colheita de folhas de coca de uma área de Pueblo Nuevo, em Briceño, cidade piloto da erradicaçã­o das lavouras2 Anderson, ex-raspachin, mudou-se para Bogotá por não ter recebido incentivo do governo3 Pedaços de pasta-base de cocaína secam após processo químico de conversão 3
Gerald Bermúdez/ Folhapress 1 Raspachine­s fazem última colheita de folhas de coca de uma área de Pueblo Nuevo, em Briceño, cidade piloto da erradicaçã­o das lavouras2 Anderson, ex-raspachin, mudou-se para Bogotá por não ter recebido incentivo do governo3 Pedaços de pasta-base de cocaína secam após processo químico de conversão 3
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