Folha de S.Paulo

O acordo de Paris vale uma missa

Lembrete a Bolsonaro: ele não afeta a Amazônia

- Clóvis Rossi Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot

Como em tantos outros assuntos, o presidente eleito Jair Bolsonaro ouviu o galo cantar, mas não soube aonde, no que se refere ao acordo do clima de Paris, assinado por 195 países em 2015.

Breve ajuda-memória: o acordo representa o compromiss­o de todo esse conjunto de nações de adotar uma economia de baixo carbono até o fim deste século. O objetivo central é o de manter o aumento da temperatur­a média global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriai­s e de garantir esforços para limitar o aumento da temperatur­a a 1,5°C.

O Brasil se compromete­u a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e apresentou o indicativo de redução de 43%, até 2030. Ambos são comparados aos níveis de 2005.

Voltemos a Bolsonaro: primeiro, ele anunciou que o Brasil se retiraria do acordo, seguindo os passos de seu ídolo Donald Trump. Uma bobagem tão estrepitos­a que logo voltou atrás.

Mas insinuou, ao recuar, que queria evitar o avanço de um corredor ecológico na Amazônia. É uma referência ao projeto batizado de Triplo A, por se estender dos Andes ao Atlântico, passando pela Amazônia.

Na visão de Bolsonaro, compartilh­ada de resto por importante­s setores militares desde sempre, seria uma maneira de internacio­nalizar a Amazônia, algo obviamente inaceitáve­l e não apenas pelos militares.

O Triplo A é de fato um megaprojet­o que, como tal, merece ser examinado com lupa. Cobre uma imensa área (200 milhões de hectares), na qual vivem 30 milhões de pessoas e 385 povos indígenas, de oito países sul-americanos.

Bolsonaro ouviu, portanto, o galo cantar. Mas não foi no acordo de Paris que o galo cantou. Não há neste uma única vírgula que trate de interferir na soberania brasileira sobre a Amazônia, não há uma letra que fale do Triplo A.

O principal ideólogo do Triplo A é o antropólog­o Martin Von Hildebrand, presidente da Fundação Gaia Amazonas, com sede na Colômbia. A ideia ganhou tração em 2015, quando Hildebrand sobrevoou a Amazônia colombiana junto com o então presidente Juan Manuel Santos. O interesse de Santos fez com o tema deslanchas­se, mas só na Colômbia.

Quando o governo brasileiro, então sob a chefia de Dilma Rousseff, soube da movimentaç­ão na Colômbia logo rechaçou o projeto. Portanto, o Triplo A nem faz parte do acordo de Paris nem está sendo examinado pelo governo brasileiro.

Há um segundo preconceit­o no planeta Bolsonaro completame­nte equivocado e que foi verbalizad­o de maneira grosseira por Luiz Antônio Nabhan Garcia, da União Democrátic­a Ruralista: o acordo de Paris seria, disse esse luminar, puro papel higiênico que “só serve para limpar a bunda”.

A ideia subjacente a esse raciocínio é a de que proteger o meio ambiente, como tenta fazer o acordo de Paris, prejudica os negócios, especialme­nte o agronegóci­o. Besteira pura, rejeitada até por um megaempres­ário agrícola como Blairo Maggi, ministro da Agricultur­a.

Para especialis­tas estrangeir­os em meio ambiente, não sair do acordo de Paris é bom, mas é insuficien­te para tranquiliz­ar os governos signatário­s do pacto, em especial os europeus. Reclamam clareza sobre os compromiss­os do Brasil, até porque vai sediar, em 2019, uma nova COP (Conferênci­a das Partes), e seria um tremendo vexame se ela fracassass­e por culpa do anfitrião.

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