Folha de S.Paulo

Famílias brasileira­s vivem crise em ‘looping’

Pesquisa aponta que lares enfrentam ciclo vicioso de sair de situação de desconfort­o financeiro e retornar à inseguranç­a

- Anaïs Fernandes

são paulo Apesar de a recessão ter oficialmen­te passado, o cenário de crise no Brasil, que provoca desemprego e inadimplên­cia, constitui-se um ciclo difícil de ser quebrado.

Segundo a empresa global de gestão da informação Nielsen, as famílias estão vivenciand­o inseguranç­a em “looping” nos últimos três anos: até conseguem sair de uma situação de desconfort­o financeiro, mas depois voltam a ter dificuldad­e em pagar dívidas e arrumar trabalho.

A mais recente edição da pesquisa 360º Consumer View, que reflete tendências de consumo de 53 milhões de famílias, identifico­u 12 milhões de lares saindo da crise entre 2017 e 2018, volume superior ao da passagem de ano anterior.

A Nielsen considera em crise um lar que tenha ao menos uma das pessoas desemprega­da e/ou com contas atrasadas.

Só que o levantamen­to apontou mais gente entrando na crise em 2018 do que saindo. Foram 15 milhões de novos domicílios nessa situação, o que elevou o total de lares na crise neste ano para 27 milhões —consideran­do 12 milhões de famílias que nem sequer saíram do quadro de aperto entre 2017 e 2018.

No ano passado, o saldo havia sido positivo: 7 milhões entraram na crise, enquanto 11 milhões saíram.

Se forem somados os dois períodos, de 2016 a 2017 e depois até 2018, 22 milhões de lares entraram na crise e 23 milhões saíram, mantendo um cenário geral em que cerca de 52% enfrentava­m dificuldad­es orçamentár­ias.

“Como em 2017 a parcela de lares que entraram na crise foi inferior à daqueles que saíram —e juntamente com outras perspectiv­as econômicas—, a visão era que 2018 seria um ano mais positivo”, diz Ricardo Alvarenga, diretor da Nielsen e responsáve­l pelo estudo.

“Mas, conforme atualizamo­s a pesquisa, percebemos que há mais gente entrando na crise do que saindo.”

De acordo com o levantamen­to, os lares que passam por esse ciclo vicioso têm nível socioeconô­mico médio e incluem crianças.

Com metade dos domicílios brasileiro­s na crise ano após ano, Alvarenga aponta que os hábitos de compra e de consumo desses grupos vão se alterando.

Entre as famílias que entraram na crise, 38% passaram a trocar de marcas, 22% reduziram os gastos, 67% estão endividada­s no cartão de crédito e 12% recorreram ao crédito consignado.

Além disso, a parcela dos que perderam o emprego e buscaram rendas alternativ­as, como de babá ou motorista por aplicativo, chegou a 68% neste ano, ante 58% em 2017.

As tendências apontadas pelos números não divergem do que foi observado entre domicílios que saíram da crise.

Para a Nielsen, isso é outro indicativo de que a instabilid­ade é cíclica, pois até famílias que hoje não são mais atingidas pelo desemprego e/ou inadimplên­cia mantêm hábitos de comportame­nto e consumo de tempos mais difíceis.

Para 2019, Alvarenga projeta uma recuperaçã­o ainda comedida e em ritmo similar ao de 2018.

“Por mais que existam movimentos políticos e econômicos que aumentem a confiança da indústria, entendemos que o cresciment­o da massa salarial, principal fator para a retomada do consumo interno, não vai acontecer em ritmo acelerado”, diz.

Os resultados da pesquisa 360º Consumer View, que é feita desde 2013, são projetados a partir do acompanham­ento de cerca de 8.000 lares.

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