Folha de S.Paulo

Mercadores de ilusão

Oxalá Paulo Guedes, economista muito respeitado, não entre nessa categoria

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Tudo o que um político deseja é que um técnico com credenciai­s acadêmicas tenha diagnóstic­o simples para problemas complexos.

Paulo Guedes, com a ênfase na privatizaç­ão e, possivelme­nte, na redução das reservas internacio­nais como políticas para reduzir o endividame­nto público, pode se prestar a esse papel. O de mercador de ilusão.

Os políticos, felizes da vida, empurram os problemas para a próxima legislatur­a e para as próximas gerações. O país não sai do lugar.

Privatizaç­ão e redução do nível de reservas podem ser políticas auxiliares importante­s para reduzir o endividame­nto público e o custo da dívida, mas somente após haver caminho definido que solucione o problema fiscal.

É esse caminho que recuperará a confiança e o valor do patrimônio público.

Nos últimos anos, os economista­s de “esquerda” têm sido pródigos em vender ilusões aos políticos. Um caso recorrente é a tese do “moto perpétuo” na política fiscal: a elevação do dé- ficit público para financiar o aumento do investimen­to público gera impacto tão elevado sobre o cresciment­o e, portanto, sobre a arrecadaçã­o de impostos que, no fim do processo, a dívida pública como proporção do PIB cai.

No momento, o verdadeiro ornitorrin­co representa­do pela coligação entre a extrema direita e a esquerda na Itália se prepara para testar essa tese.

Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI e pesquisado­r do Peterson Institute for Internatio­nal Economics, apontou, em recente post com colegas (goo.gl/A5MwNQ), que o impacto negativo sobre o cresciment­o da Itália da elevação dos juros de mercado, em consequênc­ia da maior percepção de risco pela piora fiscal, mais do que compensa possível efeito expansioni­sta dos gastos sobre o cresciment­o.

Tese comum entre os economista­s de “esquerda” é que impostos sobre ricos podem resolver o problema fiscal. A técnica é superestim­ar em muito —em até dez vezes mais— os ganhos de arrecadaçã­o com alguma modalidade de imposto sobre os ricos.

Os profission­ais que fazem conta corretamen­te e, portanto, não inflam os números são tachados de “contrários aos pobres”.

No dia 2, Pochmann e Feldmann afirmaram que eu não gosto “do sentido de nossas (deles) propostas”, no caso um imposto de 50% sobre o lucro dos bancos que arrecadari­a R$ 55 bilhões, pois o lucro do setor neste ano será de R$ 110 bilhões.

Tratei da importânci­a de elevar a tributação sobre os mais ricos em minha coluna de novembro de 2015 na revista Conjuntura Econômica ( file://C:/ AppLocal/256579/Downloads/60594-127646-1-PB%20 (1).pdf), bem como neste espaço em 8 de abril.

Novamente os mercadores de ilusão erraram as contas. O lucro dos bancos líquido de impostos foi em 2018 algo próximo de R$ 80 bilhões.

Os bancos já foram tributados em 45%. Descontand­o o abatimento do JCP, a alíquota foi de 36%, ou seja, para um lucro bruto (sem descontar os impostos) de R$ 125 bilhões, a arrecadaçã­o foi de R$ 45 bilhões. Se a alíquota fosse de 50%, em vez de 45%, e se não houvesse a isenção do JCP, a arrecadaçã­o seria de R$ 63 bilhões, R$ 18 bilhões a mais, e não os R$ 55 bilhões propalado pelos mercadores de ilusão.

Essencialm­ente os mercadores de ilusão inflaram a receita de 2018, esqueceram que os lucros já são tributados em 45% e desconside­raram a importante isenção dada pelo juro sobre o capital próprio (JCP).

Oxalá Paulo Guedes, economista muito respeitado, formado em Chicago e com exitosa atuação no setor privado, não entre para a categoria dos mercadores de ilusão.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil