Folha de S.Paulo

ITAÚNAS (ES)

- Roberto de Oliveira texto e fotos Itaúnas (Espírito Santo)

O céu é tão estrelado em Itaúnas que aquele bichinho no meio da rua de terra e areia logo é identifica­do até mesmo por quem congrega miopia e astigmatis­mo nos dois olhos.

O caramujo de concha colorida e 15 centímetro­s de compriment­o é vigiado de perto por uma coruja-buraqueira. A menos de dez passos da pousada, ouve-se com nitidez o barulho da arrebentaç­ão em meio ao crocitar. Dorme-se assim. Desperta-se com a algazarra de um punhado de saguis-de-carasbranc­as ao celebrar o amanhecer.

Pacata, a vila de Itaúnas, perto da divisa entre o Espírito Santo e a Bahia, é daqueles lugares onde as pessoas se cumpriment­am na rua sem se conhecerem.

Chegar lá não é tarefa tão fácil. Da capital, Vitória, são cerca de 260 km pela BR-101, no sentido norte. Deve-se entrar à direita no trevo de Conceição da Barra e seguir por 14 km de asfalto até o acesso a Itaúnas. Daí para a frente, são 21 km em estrada de chão batido. E dá-lhe poeira.

Logo ao pisar na pracinha central, em cujo centro se ergue a igreja de São Sebastião, percebe-se que o local é uma espécie de refúgio para quem quer se esquivar do barulho e da pressão do asfalto. Território simples e acolhedor, Itaúnas não dispõe de caixas eletrônico­s nem de postos de gasolina, portanto, para sacar dinheiro ou abastecer o carro, é preciso fazer uma parada em Conceição da Barra.

Famosa por seu forró, ritmo ditado por sanfonas, zabumbas e triângulos, Itaúnas é especialme­nte conhecida por suas dunas de areia fina e dourada que alcançam até 30 metros de altura. Atravessá-las é o único jeito de chegar ao mar.

Para protegê-las, foi criado em 1991 o Parque Estadual de Itaúnas. São 3.481 hectares em meio a manguezais, riachos, dunas gigantesca­s e trechos de mata atlântica divididos em seis trilhas abertas aos visitantes. As mais acessadas, a do Tamandaré e a do Pescador, são relativame­nte curtas e têm baixo grau de dificuldad­e. Ambas dão em praias selvagens —o mar agitado não chega a deslumbrar: sua cor passeia entre o verde e o marrom por causa dos rios que desembocam por lá.

Na área de preservaçã­o, há registro de 43 espécies de mamíferos, 183 de aves, 32 de répteis, 29 de anfíbios e 101 de peixes. O espaço sob proteção abriga ainda 23 sítios arqueológi­cos.

O avanço das dunas naquela área capixaba teve início entre as décadas de 1950 e 1970, quando moradores passaram a retirar quase toda a vegetação de restinga para facilitar o acesso ao oceano. Boa parte da madeira extraída era usada como lenha.

Os ventos fortes fizeram com que a areia cobrisse a vila, então instalada na margem esquerda do rio Itaúnas, onde viviam cerca de 700 habitantes, muitos dos quais remanescen­tes de quilombos, dependente­s, sobretudo, da agricultur­a de subsistênc­ia, da produção de farinha de mandioca, da caça e da pesca, segundo conta a historiado­ra Mariana dos Santos Albuquerqu­e, 29. “A movimentaç­ão das dunas fez com que os nativos procurasse­m refúgio do outro lado da margem do rio, onde hoje existe a vila”, diz a moça, nascida e criada ali.

Daquelas antigas moradas, restaram o triste hábito da caça, proibida, mas persistent­e, algumas benzedeira­s, assim como o sincretism­o religioso representa­do principalm­ente pelo Ticumbi, uma dança dramática de raízes africanas que sobrevive há mais de 200 anos no norte do Espírito Santo. Coisas de Itaúnas, quase só dela!

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 ??  ?? Dunas alcançam 30 metros de altura
Dunas alcançam 30 metros de altura
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Praia Riacho Doce, na divisa entre o Espírito Santo e a Bahia

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