Folha de S.Paulo

TORRES DEL PAINE (CHILE)

- Roberto de Oliveira texto e fotos Patagônia chilena

Parecia que o mundo ia desabar. Em meio a nuvens carregadas, o Sol, de repente, deu as caras de forma impetuosa. O vento corria forte de um jeito que arrepiava. Recém-chegado à Patagônia, o coração pulsava dividido entre o mergulho relaxante numa piscina aquecida, com vista para a cadeia de montanhas, e uma caminhada à beira de uma lagoa de águas azuis no Parque Nacional Torres del Paine, no sul do Chile.

Chegar até lá é cansativo: são dois voos seguidos, São Paulo-Santiago, SantiagoPu­nta Arenas, mais um transfer em van de quase quatro horas de rodagem em meio à imensidão de pradarias que parecem não ter fim. O motorista, com ares de cicerone, foi logo avisando: “Em Torres del Paine, você tem as vistas mais espetacula­res que a

imaginação humana poderia conceber”. Difícil, ao término da viagem, será contestá-lo.

Ao pisar no hotel, o Tierra Patagonia, o calor das boas-vindas contrastav­a com o gelo da paisagem. As vidraças quase de chão a teto no hall principal, de pé-direito altíssimo, deixam ver o lago Sarmiento, emoldurado pelas montanhas escarpadas da cordilheir­a Torres del Paine. Nesse cenário, um bate-papo descontraí­do com a equipe e logo se chega a uma programaçã­o de passeios, organizada de modo a aclimatar o visitante às intempérie­s do ambiente. O que não falta são meios de tirar proveito dessa paisagem acidentada: caminhar, pedalar, montar a cavalo, navegar e, é claro, relaxar.

Há os que se entregam às longas trilhas que atravessam o parque. Esses podem escolher uma das excursões de trekking, divididas em três níveis (fácil, médio e intenso), que atendem a diversas habilidade­s.

O passeio de “batismo” na Patagônia deixa qualquer um revigorado. De outubro a abril, a temperatur­a sobe no Parque Nacional Torres del Paine. É raro, contudo, superar os 20°C. Além disso, devido às súbitas alterações climáticas e às constantes rajadas de vento, a sensação térmica é de frio.

Era começo de outono. Aquele fim de tarde nos brindou com um pôr do sol multicor refletindo numa lagoa azulada e fazendo brilhar as imponentes Torres. Uma família de guanacos pastava em meio à tranquilid­ade. Embora sejam os maiores mamíferos terrestres do parque, não falta o que lhes roube o sossego: seu predador, o puma,

pode aparecer, coisa que, ao menos nos instantes do crepúsculo, não aconteceu.

A imagem que se via refletida na água era de brandura: os guanacos, que são, digamos, primos das lhamas peruanas, pastavam à espera do anoitecer. Enquanto isso, no céu, condores pairavam acima dos picos.

De volta ao hotel, a empolgação era tamanha que o relax na piscina foi substituíd­o por uma conversa pautada por gente da Europa, dos Estados Unidos, da Ásia. Numa espécie de celebração no balcão do bar, taça de carménère na mão, cada um compartilh­ava uma foto ou um momento especial da experiênci­a que é desbravar a Patagônia.

Existem diferentes tipos de hospedagem: desde luxuosas pousadas na vanguarda do design até simples acampament­os. Os amantes da natureza e do conforto tendem a se inclinar em direção à primeira categoria. Para eles, o Tierra Patagonia é uma das melhores opções. All-inclusive, a diária inclui não só a hospedagem mas também as refeições, traslados, passeios e guias experiment­ados com a fauna, a flora e a geologia locais.

Do restaurant­e, é possível alcançar o Sarmiento num passeio contemplat­ivo de 15 minutos de pernada. Tempo suficiente para apreciar tanto o isolamento quanto a grandiosid­ade das formações ao redor.

Na manhã seguinte, embarcamos em uma jornada, diga-se, mais suave. Fomos a fazendas de criação de ovelhas que abrem as porteiras para o visitante assistir à tosquia e ainda acompanhar o trabalho dos baqueanos, como são chamados os caubóis da Patagônia. Ao lado de seus inseparáve­is cavalos, esses gaúchos, quando estão trabalhand­o nas planícies, evocam a memória de um mundo em via de desaparece­r —tudo ali era pasto antes da construção da reserva.

A façanha dos chilenos de transforma­r o Torres del Paine em um modelo de parque seduz visitantes do mundo inteiro à procura de uma combinação de natureza selvagem e cenários inóspitos com infraestru­tura.

A cordilheir­a foi formada ao longo das últimas eras glaciais, esculpindo uma cadeia de picos independen­te dos Andes. Em seu entorno encontram-se geleiras. A Grey é uma delas, à qual se chega de barco em um dos passeios organizado­s pelo Tierra. Tingido de tom marinho, o glaciar derrete atualmen- te ao dobro da velocidade de uma década atrás. Há ainda lagos de degelo com águas em matizes de verde, azul, cobalto e cinza.

Seu aspecto leitoso vem da volumosa carga de minerais, arrancados das encostas pelas línguas de gelo há dezenas de milhares de anos. Prevalece ali, no extremo sul chileno, a força bruta dos vendavais.

Numa manhã carregada, ao tentar sair da embarcação no Grey, a velocidade do vento beirava os 100 km/h. Naquele instante, ameaçava nos lançar à água. Em alguns pontos, o sol brilhava. Noutros, a chuva chicoteava —tudo em um único par de horas.

De fato, a Patagônia consagra-se como território de condições imprevisív­eis.

Para quem tem uma piscina quentinha, com vista para as Torres para relaxar no fim do dia, tudo parece confortave­lmente desafiador. Nem precisa entrar nela. Basta lembrar que ela existe. Quem sabe numa próxima viagem sobre um tempinho para dar aquele tão sonhado tibum!

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Cascata Paine e Laguna Amarga
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Área externa do Tierra Patagonia

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